sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Laços de amizade

 Ditado pelo espírito Samuel 

Psicografado por Viviani Cláudia Florêncio

Editora ônix


Seremos chamados verdadeiramente filhos de Deus ao abraçarmos sinceramente aqueles que nos ofendem, nos caluniam, nos prejudicam e nos odeiam, estendendo as mãos aos desafortunados e infelizes de toda sorte, acolhendo o irmão necessitado no caminho.

Entendo que a humanidade é uma grande família e somos, nós todos, irmãos.

Compreendendo e sanando o sofrimento, a dor, a revolta por onde passamos. Retirando de nós a ignorância das nossas almas em trânsito incessante. Acreditando e confiando que só Jesus é o caminho da paz e da libertação para uma nova vida plena de Luz Resplandecente.

Lembrando que,  a cada dia, cada existência é um novo aprendizado, uma nova lição de amor.  E as lições surgem cada vez mais gloriosas e preciosas, tornando as nossas vidas um eterno aprendizado.


O autor espiritual nos conta a  história de vida  de dois amigos, dois jovens advogados, sócios em um escritório na Capital Paulista dos anos 1970, que, no exercício da mesma  profissão, trilharam por  caminhos diferentes. Apresenta-nos uma história bastante objetiva, coerente e cheia de  exemplos de fraternidade, caridade, humanismo e, como o próprio título nos sugere, de laços de amizade sincera. Muitos amigos e várias histórias de vida e conflitos interiores.

A amizade sincera de muitos personagens e a acolhida espiritual, sempre orientando e direcionando-os ao caminho do bem, fez com que muitos  fossem ajudados a  encontrar sua verdadeira  missão e como cumprir os objetivos  traçados antes de cada reencarnação. Muitos reencontros e desencontros fizeram com que esses personagens passassem por momentos de alegrias, tristezas, sofrimentos e por fim a  felicidade.

O JOVEM TÚLIO


Túlio acordou e olhou para o relógio à  sua  cabeceira, que  marcava sete horas. Era manhã de domingo e pôde perceber pela janela do seu apertamento a chuva fina que caía sobre a movimentada cidade de São Paulo. Era um dia típico de descanso. Seu corpo doía,  espreguiçou-se, porém sentia-se cansado, porque não  dormia bem à noite. Tivera terríveis pesadelos na madrugada. Esses  pesadelos pareciam-lhe reais e monstruosos.

Sentado à cama, tentava lembrar o que sonhara, mas não conseguia. Tudo parecia fragmentado, difícil de definir. Levantou-se, tomou um banho, arrumou-se e se sentou para tomar um café. Queria esquecer a noite maldormida. Olhou para o calendário, estava em julho de 1975. Era  o aniversário de sua mãe, mandara um presente pelo correio a ela, e esperaria mais tarde para lhe  telefonar e lhe desejar  os parabéns.

O tilintar do telefone chamou-lhe a atenção, era a sua namorada que, preocupada, necessitava de notícia. Haviam se encontrado na noite anterior em uma boate, mas saíram logo depois. Túlio alegava que  não se sentia bem e queria voltar para casa. Ela achou o comportamento dele muito estranho e na madrugada telefonou várias vezes para ele sem resultado. Por telefone, completou:

- Onde esteve Túlio? Faz  horas  que estou perguntando a  mesma  coisa e até  agora  não me respondeu?

- Estive em casa, Rita! Por que não acredita em  mim? Estava muito  cansado e dormi profundamente, acho que por isso não acordei com o barulho do telefone.

- Você  está  mentindo! Tenho certeza ! Decerto saiu com os amigos, ou com outra mulher, e está me enganando. Bebeu demais e agora dá a desculpa que estava dormindo - berrou ela.

- Eu realmente estou dizendo a verdade. Estive todo o tempo em casa e sozinho.

- Você não é homem de ficar em casa em pleno sábado. Diga a verdade ! Ficou na farra atpe de madrugada! - dizia Rita, aos gritos.

- Não diga coisas que não sabe, Rita! Estou cansado dos seus ciúmes bobos.

- E eu estou cansada das suas  atitudes irresponsáveis, Túlio.

O jovem tentou se defender, mas foi interrompido por ela:

- Não quero ouvir mais nada ! Chega! - gritou ela, desligando subitamente o telefone.

Não houve tempo para Túlio explicar-se - "mas de que adiantaria, se ela não iria acreditar mesmo" , pensou. Sentia  fortes dores de cabeça e resolveu tomar um analgésico.

Túlio era advogado, tinha vinte e seis anos, era alto, magro, de cabelos castanhos-escuros, bem aparados e cuidados, olhos da mesma cor e expressivos. Era muito bonito, chamava a atenção por onde andava. Ele provinha de uma família de classe média alta. Falava fluentemente o inglês, obteve muitas propostas de trabalho fora do país, no entanto preferiu trabalhar no Brasil. Do seu trabalho, comprou o apartamento onde morava num dos bairros nobres da cidade de São Paulo.

Como filho único era  mimado pelos  pais que lhe proporcionavam todos os  gostos. Pouco se importava com o sofrimento alheio, era egoísta, pensava apenas em si próprio. Envolvia-se com amigos que, como ele, gostavam das noites extravagantes pela cidade. Túlio não perdia oportunidade de humilhar is menos favorecidos. Esquecia-se de que somos todos filhos de Deus e que os maiores necessitam  cuidar dos menores, que a caridade, a paciência, a fraternidade e o amor são as  virtudes que devemos ter para  sermos melhores a cada dia. 

Ele  namorava Rita, moça de personalidade forte. Ela possuía cabelos  curtos, lisos e tingidos de vermelhos, olhos castanhos-claros, lábios carnudos, pele branca, sua estatura era baixa, o que lhe causava complexo. Era arquiteta. Ela e Túlio namoravam há alguns meses. Certa vez, quando acompanhava uma amiga ao escritório de Túlio, o conheceu e logo começaram um relacionamento amoroso, porém tempestuoso.

O diálogo com a namorada deixou o jovem rapaz mais irritado ainda. Não conseguia compreender por que ainda continuava o relacionamento amoroso com Rita, já que não nutria  amor verdadeiro por ela, e o ciúme doentio dela por ele atrapalhava muito o namoro.

Achou melhor esquecer o episódio desagradável e resolveu ligar para a mãe e lhe desejar os parabéns. Ao telefone, conversaram por alguns minutos, mas foi o bastante para ele perceber que a sua mãe estava com a voz estranha, embargada, melancólica. Tentou diversas  vezes lhe perguntar se algo a estava aborrecendo, mas ela dizia que estava tudo bem e era apenas impressão dele. Túlio não conseguiu falar com o pai que estava ausente naquele momento.

Os pais de Túlio eram advogados, como ele, e moravam em Belo Horizonte. A senhora Bárbara era uma mulher atraente, elegante e telefonava constantemente para o filho. Seu marido, Ricardo, um homem alto quinquagenário, de cabelos curtos e pretos, com poucos fios brancos, quase imperceptíveis, era sempre sorridente e amável.

O diálogo com a mãe não lhe proporcionou o ânimo necessário. Sentiu-se apreensivo. Pensou "Acho que hoje não é o meu dia, parece que tudo está errado. Logo pela manhã, a  discussão com Rita, e agora a minha mãe que não está bem e insiste  em esconder coisas  de mim. Que será  que está acontecendo?  Será que o meu pai aprontou alguma? Amanhã bem cedo ligo de novo para saber o que houve.

Seus pensamentos foram interrompidos pelo som do interfone que lhe chamou a atenção. Da  portaria avisaram-lhe que tinha visitas. Era o seu amigo e sócio Marcos, que já se encontrava no elevador, indo ao seu encontro. Logo os dois amigos estavam juntos.

Marcos era um ano mais velho e de estatura mais alta que o amigo, pele negra, solteiro, e não tinha namorada. Tinha bom gosto para roupas e perfumes, e era de extrema simpatia. Era querido pelos amigos e por aqueles que conviviam com ele. Vinha de uma família simples e humilde,  tudo o que conseguiu foi  a  custo de muito trabalho e dedicação. Era espírita. Quando adolescente, conheceu a doutrina Espírita que lhe ampliou os horizontes , trouxe-lhe tranquilidade, razão de bem viver e vontade de servir ao próximo. Os trabalhos na casa espírita e em seu escritório preenchiam o seu dia-a-dia. Não perdia a oportunidade de fazer visitas a hospitais e creches. Sua fala mansa e despreocupada fazia com que ficasse rodeado de amigos que lhe pediam conselhos e lhe contavam os problemas. Apesar dos latentes defeitos do amigo Túlio, Marcos mostrava-se paciencioso com ele, amava-o como um irmão do coração. Dava-lhe bons conselhos, tentava redirecionar-lhe a conduta moral e aprimorar-lhe o espírito.

Logo que entrou  no apartamento, percebeu o semblante carregado do amigo e perguntou:

- Você me  parece aborrecido. Aconteceu alguma coisa?

- Hoje não é o meu dia. Rita ligou para mim aos berros, querendo saber o que aconteceu comigo ontem.

- Como assim? Não entendi!

- Eu não estava me sentindo bem e dormi mais cedo. Ela não acredita que eu estava em casa dormindo!

- Entendi! Na verdade, ela tem razão de estar desconfiada de você. Você a dora ficar a noite toda nas boates. Você já  devia ter se acostumado com os ciúmes dela. Mas não acho que foi isso que o está preocupando.

- Tem razão! Hoje telefonei para a minha mãe e achei que ela estava muito triste e nervosa.

- Você sabe por quê? - perguntou Marcos curioso.

- Não sei! Você conhece a minha mãe. Não é mulher de se deixar abater por pouca coisa. Algo aconteceu de muito grave para deixá-la nervosa daquele jeito.

- Talvez seja impressão sua. Às vezes ficamos de mau humor por nada. Quem sabe não seja o caso dela, amanhã está tudo bem e a alegria volta.

- Assim espero - respondeu ele com ar desanimador.

Marcos olhou para o amigo e comentou:

-Compreendo sua preocupação com a sua mãe. Mas você não me engana. Tem algo que o está incomodando.

- Não consigo esconder nada de você. Eu estou tendo pesadelos horríveis, que estão se tornando constantes. Acordo aflito, atormentado. Sinto o meu coração apertado.

Marcos refletiu alguns instantes antes de responder e, olhando para o amigo, esclareceu:

- Você precisa voltar-se para Deus. Viver uma vida saudável, sem bebidas e noitadas extravagantes. Passa a noite toda ouvindo barulhos estridentes e bebendo. Chega em casa alcoolizado e trazido por seu amigos. Isto não é vida, Túlio. percebo você irritado todo o tempo e impaciente.

- O que isto tem a ver com os meus pesadelos?

- Muita coisa. Precisa se preparar para dormir. Orar a Deus, agradecer o dia que passou. Orar pelos que necessitam. Vigiar os pensamentos.

- Quer que eu seja como você que vive uma vida certinha, monótona? Não quero isto para mim. Gosto de diversão - respondeu Túlio, tentando se defender. 

- Gostaria que ficasse comigo o dia todo no sábado para ver que a minha vida não tem nada de monótona. Fazermos sopa fraterna no Centro para dar aos necessitados, distribuímos pão para os que sentem fome e falamos do Evangelho para os que têm sede de esclarecimentos espirituais. Vamos visitar os doentes nos hospitais e nas  casas. Somos abordados por pessoas apreensivas e sem esperança todo o tempo - esclareceu Marcos sem se aborrecer. 

- Do jeito que fala, logo será canonizado. Vai virar um santo - redarguiu Túlio, dando de ombros.

- Não seja tolo, Túlio. Se todos nós deixássemos o egoísmo de lado e ajudássemos a quem precisa, certamente o mundo seria melhor.

- Você acha o quê? Que sou egoísta?  Está falando isto para mim? Quero que me ajude a não ter  mais pesadelos. Não preciso dos seus sermões. Apenas que me ajude - esclareceu Túlio, alterando o tom de voz.

- Não precisa se alterar. Estou ajudando, dando "receita" para você livrar dos pesadelos: - Oração e Vigilância. Ajudando, seremos também ajudados. Quando digo que devemos deixar o egoísmo de lado me refiro a todos nós. O mundo precisa mais de amor ao próximo, de esperança e alegria.

- O mundo, eu não sei! Mas eu preciso de alegria. Preciso sair desse apartamento, estou me sentindo sufocado.

Percebendo que o amigo certamente não ouviria os seus conselhos, Marcos falou, mudando o ritimo da conversa:

- É melhor mesmo sairmos daqui e respirar ar fresco. Vamos  tomar um café no bar aqui embaixo. O ar livre vai lhe  fazer bem.

Túlio concordou. Apesar dos dois serem muito amigos, o jovem não estava gostando do rumo da conversa. Não via com bons olhos as advertências que Marcos lhe fazia sobre a sua vida. Sair do apartamento para tomar um café lhe faria muito bem. Por isso aceitou com prazer o convite. Rapidamente os dois homens saíram do prédio e encaminharam-se à lanchonete. Lá, conversaram por longo tempo, descontraídos.

Rita estava em sua casa, nervosa, andando de um lado a outro. Sentia muito ciúme de Túlio. Seus pensamentos conflitantes o imaginavam com outra mulher. Não acreditava nele quando dizia que passou a noite dormindo. Ela era uma mulher extremamente ciumenta e possessiva, pouco acreditava em religião. Apenas acreditava em seu trabalho e no tempo presente. Gostava de curtir a vida. Tinha extremo cuidado com o corpo e com os cabelos, gastando quase todo o seu salário no embelezamento deles e nas roupas de griffe. Seus pais eram desencarnados e não tinha irmãos. Vivia em seu apartamento sozinha, tinha poucos amigos, pois possuía personalidade arrogante e prepotente.

Nervosa com a conversa que tivera com o namorado, pensava "Tenho certeza de que ele está me traindo, mas com quem? Ele pensa que me engana! Deve estar com a Adriana, aquela sonsa. Eu sei que ela é apaixonada por ele, e quer dar o golpe do baú, mas eu não vou deixar. Sei onde ela mora. Vou até lá". Decidida, pegou as chaves do carro e saiu.

Algum tempo depois, percorrendo as tuas da cidade de São Paulo, finalmente Rita chegou ao seu destino. Parou o carro em frente à casa da jovem. O imóvel era simples, ficava na periferia da cidade, parecia uma construção antiga. Ela tocou a campainha. Uma velha senhora, demonstrando simpatia, veio atendê-a.

Rita, mostrando certa rudez na fala, pediu que chamasse Adriana. A velha senhora estranhou a atitude da jovem ao seu portão, mesmo assim chamou a filha. Logo, Adriana estava diante dela, sem nada entender. Rita pôde observá-la melhor de perto. Ela era uma jovem bonita, alta, de corpo bem modelado, olhos verdes e cabelos claros, longos e ondulados. Adriana não entendia o porquê daquela visita. Esperou que ela falasse. Rita foi logo dizendo:

- Não adianta mentir. Sei que esteve com o meu namorado ontem à noite. Confesse!

Adriana assustou-se com a acusação e por alguns segundos ficou paralisada, olhando para a mulher à sua frente. Rita insistiu, aumentando o tom ameaçador da voz:

- Vamos ! O que está esperando? Confesse!

- Não vou admitir que a senhora venha à minha casa e faça acusações falsas. Eu não estive com o doutor Túlio nem ontem e nem dia nenhum. Estive em casa a noite inteira. Como me acusa dessa forma?

Adriana respondeu a acusação sem se alterar. Sua voz era firme, causando um mal-estar na acusadora. Rita, sem se intimidar, retrucou:

- Mesmo que esteja dizendo a verdade, sei que é apaixonada por Túlio e faria tudo para conquistá-lo.

- Como pode ter tanta certeza dos meus  sentimentos? Eles não lhe dizem respeito. Está enganada sobre mim, senhora! Se já terminou, é melhor que vá embora.

- Vou sim! E farei com que perca o emprego.