domingo, 23 de junho de 2019

SEXO SEM BARREIRAS

QUEM É VOCÊ?

IDENTIDADE DE GÊNERO: É como a pessoa se reconhece. Para alguns indivíduos, essa identidade corresponde ao sexo biológico:  os CISGÊNEROS. Para outros, não: TRANSEXUAIS OU  TRANSGÊNEROS.

ORIENTAÇÃO SEXUAL: Diz respeito à atração afetivossexual por um gênero, explica a educadora sexual Leila Campos. Não necessariamente está ligada à questão de gênero, uma pessoa transexual pode ser heterossexual, homossexual ou bissexual.

SEXO BIOLÓGICO: Com base nas genitálias, é feita a classificação como homem, mulher ou hermafrodita. Os órgãos sexuais dizem respeito à identidade sexual e fazem parte da estrutura física determinada cromossomicamente na fecundação e são desenvolvidos ao longo da gestação, elucida  Leila.

Fora dos holofotes: A maior parte das pessoas transgêneras segue longe dos holofotes e sequer entra para as estatísticas - não há um levantamento confiável sobre quantas pessoas trans há no planeta. O motivo, a transfobia - o preconceito, a discriminação, o medo e/ou o ódio sofrido por esses indivíduos. Assim, muitos costumam se esconder, e buscar o anonimato, principalmente, no Brasil, uma vez que o país ganhou o primeiro lugar na categoria dos que mais matam travestis e transsexuais no mundo. Entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas 604 mortes no país, segundo pesquisa da organização não governamental (ONG) Transgender Europe (TGEU), quatro vezes mais que no México, segundo país com maioria dos casos registrados. E é provável que haja muitos outros não documentados.

As consequências da transfobia podem se irreversíveis. É o que mostra um estudo sobre saúde mental encomendado  à Transgender Equality Network pela comunidade de "trans" da Irlanda. O resultado da pesquisa mostrou que 78% das pessoas transgêneras pensaram em se suicidar e 44% tentaram pelo menos uma vez. Entre as causas tendências suicidas apontadas pelo trabalho irlandês está o "estresse extremo" ligado ao fato do indivíduo exibir um sexo que não é o seu natural.
O preconceito dificulta a vida em sociedade. Podemos constatar isso com a escassez de oportunidades de trabalho que lhes são oferecidas: de acordo com os dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil), 90% das mulheres trans acabam se prostituindo. Um dos fatores que as levam a optar por esse trabalho é justamente a falta de oportunidade no mercado, que não reconhece sua identidade. A principal luta dessas pessoas tem sido por um tratamento justo como o de um indivíduo qualquer, sem serem julgadas por seu sexo, orientação ou gênero.






segunda-feira, 17 de junho de 2019

A POLÍTICA É UMA TEORIA DA CONSPIRAÇÃO

Teoria da conspiração ou desconfiança justificada?
Após a queda do avião que, dentre outras vítimas fatais, resultou na morte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, o empresário Carlos Alberto Fernandes Filgueiras e mais três pessoas, imediatamente se instaurou um debate narrativo sobre o que aconteceu.
Teori era relator do processo da Lava Jato na Suprema Corte e estava às vésperas de retirar o sigilo de cerca de 900 depoimentos e homologar as 77 delações da Odebrecht. O mais relevante acordo de colaboração da história da Justiça do país, envolvendo nomes de figurões dos mais variados partidos.
Há quem prefira ver nisso uma trágica coincidência, mas será que aqueles que desconfiam de tal versão não têm motivos para tanto?
Nos últimos 50 anos, o Brasil. o país da cordialidade, fabricou um histórico de acidentes estranhos que impactaram diretamente nos rumos da política nacional: no ar, marechal Humberto Castelo Branco, três meses depois de deixar a presidência para seu desafeto Costa Silva - vinculado à ala mais dura do regime -. morreu vítima de um estranho acidente aéreo no dia 18 de julho de 1967.
Em terra, Juscelino Kubitschek, suspeito de ter sido assassinado, em 22 de agosto de 1976, segundo o último relatório da Comissão da Verdade.
Sem esquecer do exdeputado e presidenciável Ulysses Guimarâes, o então ministro da reforma agrária Marcos Freire em 1987, o ex-membro dos conselhos da Petrobrás e da Caixa Econômica Federal, Roger Agnelli, e o ex=governador de Pernambuco e presidenciável nas últimas eleições presidenciais, Eduardo Campos - lembrando que Paulo César Morato, empresário e dono do avião, foi encontrado morto envenenado num motel em 22 de junho de 2016. A morte de Teori, portanto, é mais um capítulo desse estranho histórico.
O MPF e a PF abriram inquérito para apurar a queda. A pergunta norteadora da investigação é: em quais circunstâncias o bimotor C90GT King Air, fabricado pela norte-americana Hawker Beechcraft, com inspeção em dia segundo  a Anac, conduzido por Osmar Rodrigues, o piloto "mais experiente" da rota São Paulo=Paraty, caiu no mar, levando consigo o relator da Lava Jato e ministro indicado ao STF pela ex-presidenta Dilma Rousseff?
Logo agora que as delações atinfiriam o núcleo duro do atual governo pós-impeachment,citando expressamente proprina de R$ 2 milhões em dinheiro vivo para Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, R$23 milhões na Suíça para Jose Serra, ministro das RElações Exteriores, e R$ 10 milhões para o próprio Michel Temer?

Enquanto não surgem evidências concretas, a mídia hegemônica descarta a hipótese de assassinato político, assim como descartou a narrativa do golpe em 1946 e 2016. Trata o assunto como se a possibilidade não pudesse ser discutida, enquanto as peças do quebra-cabeça afundam no mar.
Não entrando na paranoia, mas perseguindo o hábito jornalístico de reunir fatos e ser cético diante das versões oficiais - sobretudo em situações de interesse nacional - sobretudo em situações de interesse nacional - garimpamos elementos curiosos, esparsos na rede, para montar esse quebra-cabeça.

1) "PARECIA A ESQUADRILHA DA FUMAÇA"

De acordo com o relato do barqueiro Célio de Araújo, testemunha ocular do acidente que acionou os bombeiros para o resgate: "A chuva ainda tava fraca. Vento não tinha. Acho que foi problema do motor esquerdo. Deve ter desligado o motor esquerdo e ele ficou só com o motor direito, quando foi bater a asa no chão". Então o avião pode não ter caído por causa de desorientação de pilotos e do mau tempo - mesma alegação usada no laudo oficial de Eduardo Campos, segundo o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa)?

2)AVIÃO SEGUIDO A 16 DIAS ?
O jornalista Chico Malfitani divulgou uma foto, a partir dos dados que lhes foram repassados pelo engenheiro da USP Leonardo Manzione, que mostra a base de dados da ficha técnica do avião da Beechcraft acessado 1.885 vezes 16 dias atrás (3 de janeiro de 2017) - 3,7 vezes mais do que todas as visualizações anteriores. O site é de Fredrik Lindahl, CEO da Flightradar24 AH/MBA, e está hospedado nos EUA, onde pode-se identificar os IPs de acesso, apurou o jornalista Marcelo Euler. Quem fez essas consultas e por que tanta curiosidade na ficha técnica do mesmo bimotor com o registro PR-DOM LJ-1809?

3) HANGAR MOVIMENTADO?


Segundo reportagem da Folha de S.Paulo: "As horas após a queda do avião foram movimentadas no jangar de Campo de Marte, onde o bimotor King Air era guardado e onde i bimotor King Air era guardado e onde os passageiros do voo embarcaram. Por volta das 19h, um funcionário chegou ao hangar da empresa TAG. Ele disse ser responsável pelas câmeras de segurança do local e começou a recolher computadores do hangar. Minutos depois, membros da Aeronáutica e da Polícia Federal também estiveram no local em busca das imagens do circuito interno".

4)UM ESTRANHO RESGATE

O blogueiro e jornalista André Barcinski, que estava a passeio em Paraty, transcreveu alguns diálogos que teve com testemunhas da tragédia: "Ela tava viva bem depois do acidente [...]Dava para ver amulher pedindo socorro dentro do avião", disse o pescador Wallace, 23 anos. O jornalista suspeitava da versão, até ela ser corroborada por um oficial: "Ficou pelo menos 40 minutos com vida no avião".

Os relatos foram ficando cada vez mais macabors. Segundo o barqueiro Ademilson de Alcantara Mariano, um oficial viu uma mão batendo no vidro e gritou: "Rápido! Tem gente vivo aqui!" Mariano continua: "Dava para ver a mão de alguém batendo no vidro. Depois ouvimos os gritos, era uma voz de mulher: "Pelo amor de Deus, me tira daqui, não aguento mais !"Deveria ser Hilda Penas Helatczuk, ou sua filha Maíra Penas.Porém, o oficial presente não contava com instrumentos adequados para abrir a aeronave e, assim, a sobrevivente silenciou após mais de 40 minutos lutando depois da queda. 
Barcinski deixa claro que os destroços foram içados duas vezes. A primeira, durante a tentativa de salvamento da passageira, e a segunda, por dois barcos pesqueiros, interrompido por ordens da Aeronáutica, alegando preservar o local para a perícia.
Por fim, a FAB desistiu de retirar o avião do fundo do mar alegando dificuldades, e passou a responsabilidade para o proprietário da aeronave, o grupo hoteleiro Emiliano, que contratara uma empresa especializada. Enquanto isso o local do acidente passa parte significativa do tempo sem nenhuma vigilância das autoridades, conforme presenciaram os jornalistas do Estadão.

5)COM OU SEM CAIXA-PRETA?

Em reportagem publicada na Veja às 15h32, o King Air C90GT não tinha caixa-preta, pois o modelo da aeronave não tinha obrigação de possuir uma, segundo informações da FAB. Às 16h28, a versão foi alterada e o avião passou a ter um "gravador de voz" equivalente a uma caixa preta. "A equipe de investigadores da Aeronáutica localizou nesta sexta-feira o gravador de voz (cockpit voice recorder - CVR) da aeronave PR-SOM, acidentada em Paraty", confirmou a FAB, em nota.

6)LIGAÇÕES COM O BTG PACTUAL ?


O jornalista Alceu Castilho, num furo de reportagem, revelou que uma das empresas de Filgueiras, Forte Mar Empreendimentos e Participação, tinha 90% do seu capital social num fundo de investimento da BTG Pactual, principal banco privado de investimentos do Brasil. O ex-presidente do BTG, André Esteves, foi preso na Lava Jato em 25 de Novembro de 2015 sob suspeita de tentar obstruir a operação. Teori revogou a prisão preventiva de Esteves em dezembro. E em abril de 2016, deu liberdade ao banqueiro. Teori também retirou um inquérito que apurava a ligação da BTG ao ex-deputado Eduardo Cunha. Na delação do ex-senador Delcidio do Amaral, homologada em 15 de Março de 2016 oir Teori, o senador dizia que Eduardo Cunha "funcionava como garoto de recados de André Esteves, principalmente quando o assunto se relacionava a interesses do Banco BTG".
O BTG Pactual tem relação com a área da Pedrobrás menos atingida pela Lava Jato e a mais lucrativa, a área de Exploração e Produção, que opera plataformas e navios-sonda alugados. Este último, um mercado altamente rentável e monopolizado no mundo por empresas como a texana Halliburton, que já foi dirigida pelo ex-vice-presidente dos EUA, Dick Cheney. O banco de Esteves  planejava furar esse cartel de aluguel de navios-sonda através da criação da empresa Sete Brasil com fundos de pensão das estatais (Funcef, Previ, Petros) e um pouco de capital do Bradesco e Santander. A nova empresa contrataria estaleiros de empreiteiras nacionais para a construção de 29 navios-sonda, a maior encomenda do mundo.

Curioso notar que outra vítima recente de acidente aéreo, o ex-presidente da VAle, Roger Agnelli, também tinha negócios com a BTG Pactual: em 2012 ele criou uma mineradora com o banco no valor de 50 milhões de reais para atuar no Brasil,Chile e África,concorrendo com mineradoras internacionais. Isso, pouco mais de um ano depois de deixar a presidência da Vale por pressão do governo federal, que, entre outras divergências, não apoiava sua iniciativa de construir navios para a Vale em estaleiros estrangeiros.

7) AMEAÇAS NA LAVA JATO
Ano passado, o filho de Teori, Francisco Prehn Zavascki, desabafou em seu Facebook as ameaças que a família vinha sofrendo. Na sexta, disse à Rádio Estadão que "não podemos descartar qualquer possibilidade. No meu íntimo, eu torço para que tenha sido um acidente, seria muito ruim para o país ter um ministro do Supremo assassinado". À Folha, ele reconfirmou que vinha recebendo ameaças e que a família estava realmente preocupada.
As ameaças lembram a situação da advogada Beatriz Catta Preta, uma das maiores especialistas em delação premiada do país, que teve que abandonar seus clientes na operação Lava Jato uma semana após deixar de ser advogada de Júlio Camargo, empresário que fez longo depoimento em que denunciava as propinas de R$5 milhões de Eduardo Cunha.
Ela dizia ser "ameaçada insistentemente". Contou ao Globo que um dia chegou em casa e o doleiro Lúcio Funaro, que vinha pedindo para Eduardo Cunha não aparecesse nas delações, brincava com seus filhos. Funaro também é réu na Lava Jato e acusado pelo MPF de ameaçar de morte o ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto por sua delação premiada, acusação destacada por Teoria no despacho no qual decretou a prisão preventiva do doleiro.

8)NOVAS TESTEMUNHAS NO CASO EDUARDO CAMPOS?

Na mesma noite fatídica de quinta-feira, o irmão do ex-governador Eduardo Campos (PSB), o advogado Antônio Campos, divulgou que tinha uma nova testemunha que poderia mudar por completo os rumos das investigações sobre o acidente aéreo que resultou na morte do seu irmão. E desabafou: "Num país em que líderes e autoridades morrem de forma misteriosa em acidentes aéreos e ainda impactado pela morte do ministro Teori, resolvi revelar esse fato novo e reafirmar que esse caso de Eduardo Campos precisa ser aprofundado e pe mais uma caso que não pode ficar impune. Não descansarei enquanto não forem esclarecidos os fatos, independentemente de eventuais riscos que posso correr."
O falecido governador Eduardo Campos, por sinal, chegou a ser citado na operação Lava Jato a respeito da construção da refinaria de Abreu e Lima, sendo ligado justamente pelos operadores que intermediaram a negociação do jato em que o então candidato à presidência morreu.

9) O ÁUDIO DE JUCÁ
No já célebre áudio no qual o senador, ex-ministro do governo Temer e presidente do PMDB, Romero Jucá, hoje um dos principais articuladores do governo Temer, conversa sobre as reais razões por trás das movimentações para derrubar a então presidenta Dilma com o ex-senador Sérgio Machado e a opinião de ambos sobre o falecido ministro Teori é taxativa: "Um caminho é buscar alguém que tem ligação com o Teori Zavascki, relator da Lava Jato, mas parece que não tem ninguém", [Machado].
"Não tem. E um cara fechado, foi ela [Dilma] que botou, um cara... Burocrata da ... Ex-ministro do STJ [Superior Tribunal de Justiça]", [Jucá].
A opinião de Jucá e de Machado, que ironicamente teve sua delação homologada por Teori, não é nada particular, pessoal ou a priori suspeita, pelo contrário: ela ilustra o que muitos políticos pensavam à época do ministro, isto é, uma ameaça justamente por não ter vínculos políticos que, nesse caso, servissem para flexibilizar suas decisões a respeito da Lava Jato.
E conclui o diálogo apontando a saída: "[A solução] tem que ser política. Como é política? Tem que resolver essa porra". No áudio, Jucá e Machado ignoram ou não dão a devida importância para eventuais vínculos empresariais de Teori.

10) CUI BONO?
A pergunta básica de toda investigação criminal foi cunhada por Marco Túlio Cicero em Roma: "Cui Bono"? - "a quem beneficia?" em tradução literal. Mesmo nome dado à última fase da Lava Jato para investigar a suspeita de fraude na liberação de recursos da CAixa Econômica Federal. Os alvos foram Geddel Vieira Lima, ex-ministro do governo Temer, e o pioneiro do impeachment Eduardo Cunha - ela deriva da operação Catilinárias que tinha como alvo a cúpula do PMDB.
Teori pode não ter sido assassinado como foi o juiz Giovanni Falxone, principal juiz da Operação Mãos Limpas - operação em que se baseia a Lava Jato - mas se esses estranhos acontecimentos não forem completamente expostos à luz do sol, explicando cada detalhe, a suspeita de que houve um assassinato político tende a crescer.
Enquanto a mídia hegemônica se preocupa em especular sobre a vida profissional da namorada de Teori, ou sobre a vida da massoterapeuta de Filgueiras, o governo do presidente Michel Temer, citado 43 vezes pelo ex-vice-presidente Michel Temer, citado 43 vezes pelo ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht na delação prestes a ser homologada, ganhará um tempo precioso enquanto não se decide quem será o novo relator e/ou o novo ministro, como declarou expressamente o ministro chefe da Casa Civil de Temer, Eliseu Padilha.

DEPOIS DO DECÁLOGO

Resta aos investigadores incautos, jornalistas independentes, whistleblo wers e o trabalho coletivo da internet desvendar se pretendem ou não dar um "golpe dentro do golpe", como aconteceu em nossa última ditadura, que consolidou o regime militar e acabou com eleições diretas. Uma vez que os veículos hegemônicos, pouco farão, ao que tudo indica, para apurar este caso - em dezembro, o governo bateu recorde de gastos com publicidade, aumentando-a em 106%, irrigando todo setor com dinheiro público em plena recessão.
Entre muitas suspeitas, uma coisa é certa: diversos setores conservadores não gostavam de Teori por ter repreendido Sérgio Moro pela divulgação inconstitucional dos grampos telefônicos irregulares entre Dilma e Lula. Teori também criticou o "espetáculo" midiático do PowerPoint do procurador Dallagnol em que acusava Lula de representar o chefe máximo da quadrilha. Ano passado, um grupo chegou a a escrachar a fachada do prédio onde o ministro morava no Rio Grande do Sul com uma faixa de "pelego do PT", "Teori traidor" e chamá-lo de "bolivariano".
Se é certo afirmar que há precipitação em concluir, já agora, que se tratou de um atentado, é igualmente apressado descartar essa hipótese diante dos fatos nebuloso que o envolvem - o prestigioso jornal londrino The Guardian, por sinal, não descarta essa possibilidade. Não é teoria da conspiração, delírio ou mera especulação infundada, uma vez que há fatos concretos na conjectura atual e histórica.
Em um país como o Brasil, no qual até mesmo a verdade sobre os fatos históricos  como a Guerra do Paraguai e a Ditadura Militar permanecem submersos, defender uma investigação rigorosa é a única atitude cética possível: não apenas porque é o que manda a lei, mas porque é um primeiro passo para que a sociedade civil intervenha no andamento do processo de substituição de Teori, não se resignando ao papel de mera espectadora, deixando Temer e 11 senadores investigados na Lava Jato escolherem quem será o seu juiz. 

by Pragmatismo Político - www.pragmatismopolitico.com.br


domingo, 16 de junho de 2019

START OAB DAMÁSIO -JUNHO 2019

QUESTÕES:

3.CONSTITUCIONAL

Erivas, cidadão brasileiro, ingressa com requerimento administrativo, perante a SEcretaria FAzendária do Município Alfa, pleiteando a revisão do valor do Importo sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), uma vez que não concorda com os cálculos empregados pela autoridade fazendária.Erivas, decorridos 90 dias sem qualquer atualização no andamento do feito, retorna à repartição administrativa indagando o porquê da demora. Ele obtém como resposta que o trâmite do procedimento é sigiloso, mas que seria possível obter uma certidão com as informações postuladas mediante o pagamento de determinada quantia, a título de "taxa", Diante da situação hipotética apresentada, com base no texto constitucional, assinale a afirmativa correta.

Respota Correta (A).A atuação da secretaria  fazendária revela-se inconstitucional, pois a obtenção de certidões em repartições públicas, contendo informações de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, é direito de todos, sem o pagamento de taxa, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

4.AMBIENTAL
Assinale a alternativa correta:

(C)Prescreve em 5 anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da administração pública de promover a execução da multa por infração ambiental.

5.CONSUMIDOR
Acerca da jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça sobre planos de saúde, é INCORRETO afirmar que:

(C).É abusiva a cláusula de coparticipação expressamente contratada e informada ao consumidor para a hipótese de internação superior a 30 dias decorrentes de transtornos psiquiátricos, mesmo que figure de forma clara e expressa a obrigação para o consumo no contrato.

6. Direito CiviL:
João Pedro, solteiro e capaz, ao ser procurado para a compra de seu apartamento por Paulo Ricardo, casado em regime de comunhão parcial de bens, capaz, um imóvel com duas suítes, localizado na zona oeste de São Paulo, propôes a constituição onerosa de um usufruto de quinze anos de duração, pelo preço de trezentos e setenta e cinco mil reais. Diante da concordância de Paulo Ricardo, celebram um contrato por escritura pública, o qual foi devidamente levado ao registro imobiliário. É correto afirmar que. no caso:

(C).O usufruto foi perfeitamente constituído, podenndo o negócio ser oneroso ou gratuito.

7. Processo do trabalho:
Em determinado processo, em fase de execução de sentença, foi proferida decisão em Incidente de Desconsideração da Pessoa Jurídica. A parte vencida pretende recorrer. Neste caso,

REsposta correta:
(D).Cabera´Agravo de Petição independente de garantia do juízo.

8.ECA:
Marta e Pedro, de 15 e 17 anos, respectivamente, são namorados há 2 anos. Decidem fazer uma viagem para outro Estado, pretendendo hospedar-se em uma pousada. Em vista do caso narrado, assinale a afirmativa correta:

(C).Marta precisa de autorização para viajar e ambos precisam de autorização para hospedagem.

9.Administrativo:
O município "X" celebrou contrato de concessão com a empresa "Veloz" para a prestação do serviço de transporte coletivo através de ônibus.
Durante o período do contrato, o município recebeu queixas dos usuários do serviço que alegavam que o mesmo estava sendo prestado de forma inadequada e deficiente. DEsta forma, o município decidiu encerrar o contrato com a empresa "VeloZ".
Dante do exposto, assinale a alternativa correta.

REsposta: 
(C).O município "X", ao encerrar o contrato, estaria se utilizando do instituto da caducidade.


10.Processo Civil:
José propôs demanda em face de Caio requerendo indenização  por danos materiais, morais e estéticos em decorrência de acidente de carro provocado pelo Réu. Após audiência de conciliação ou mediação (sem acordo), Caio apresenta oportuna e tempestiva contestação apenas negando os prejuízos pelos danos mais e estéticos. No caso concreto, após apresentação de réplica por José, poderá o juiz:

REsposta correta:
(B).Julgar antecipadamente de forma parcial o mérito, tendo em vista que Caio deixou de contestar o pedido de danos materiais.

11. Empresarial:
No que diz respeito à sociedade em comum, assinale a opção correta:

(C).Apenas perderá o benefício de ordem o sócio que por ela contratar.

12, Tributário:
João e Maria celebram entre si contrato de locação, sendo João o locador e proprietário do imóvel. No contrato, eles estipularam que a responsabilidade pelo pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) do imóvel será de Maria, locatária. Com base nessas informações, assinale a afirmativa correta.

REsposta correta:
(B).O contrato firmado entre particulares não poderá ser oposto ao fisco municipal, no que tange à alteração do sujeito passivo do tributo.

13. Processo Penal:
O Ministério Público ofereceu denúncia por crime de desacato (art. 331 do CP),punido com pena de detenção, de 6 meses a 2 anos, ou multa. O juiz, contudo, rejeitou a denúncia oferecida, sob o fundamento de falta de justa causa (art.395, III, do CPP) Indique a alternativa correta a respeito do meio adequado para a impugnação de tal decisão:

(C).APELAÇÃO

14.ÉTICA:
Lindolfo, advogado, contratou empresa especializada para promover sua publicidade e, ao mesmo tempo, passou a contratar honorários advocatícios em valores aviltantes, tornando-se amplamente conhecido no bairro e conquistando a preferência local. Considerando a situação hipotética narrada, bem como, que o advogado não tem condenação disciplinar antertior, assinale a afirmativa correta.

D. Lindolfo, ao contratar honorários advocatícios em valores aviltantes, cometeu infração disciplinar passível de sanção de censura.

15.FILOSOFIA:
Ao considerar o ordenamento jurídico como um composto de diversas normas, Norberto Bobbio verificou na existência de antinomias jurídicas uma dificuldade a ser enfrentada pelos juristas. Nesse sentido, assinale a opção que melhor identifica essa dificuldade:

(C)Representa situação onde normas são reveladas, sendo que uma delas obriga  e a outra proíbe ou uma delas obriga e a outra permite um mesmo comportamento.

16. INTERNACIONAL:
Luis, italiano, casou-se com Letícia, brasileira, por quem se apaixonou quando passou as férias em Recife. O casal tem um filho, Lucas, brasileiro de 2 anos de idade. Residente no Brasil há mais de 5 anos, Luis é acusado de ter cometido crime na Itália. Como o Brasil possui promessa de Reciprocidade com a Itália, este encaminha ao governo brasileiro o pedido de extradição de Luis. Nesse caso, o governo brasileiro:

(B)POde conceder a extradição, desde que cumpridos os requisitos legais da Lei de Migração.

17.PENAL
João passou a efetuar disparos contra a vítima Robério. Contudo, cede aos pedidos deste e decide poupar a vida de Robério. Por conta dos disparos Robério sofre somente lesão leve, já que João, após efetuar todos os disparos conseguiu socorrer e evitar o óbito. Qaul a resposabilidade penal de João?

(B).Lesão corporal leve por ter havido arrependimento eficaz.


18. HUMANOS:
Um advogado é procurado por um grupo de familiares que narraram a ocorrência de tortura e tratamento degradante num presídio estadual. Após constatar a denúncia in loco, o advogado levou a situação ao conhecimento das autoridades administrativas competentes que, entretanto, não deram a atenção devida ao caso. Em razão disso, o advogado admitiu recorrer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A espeito do caso narrado, assinale a afirmativa correta.

(D).Por se tratar de caso grave e urgente, a Comissão pode receber a denúncia e expedir medida cautelar para obrigar o Estado a fazer cessar a violação ocorrente no presídio.

19. TRABALHO:
Armin Van Buuren procurou você, na qualidade de advogado (a), para aforar ação solicitando equiparação salarial com seu colega de trabalho Martin Garrix. Afirmando que foi contratado como terceirizado e que exerce a mesma função, bem como exerce os mesmos serviços de Martin Garrix, que é empregado público. A sentença do Tribunal REgional do Trabalho foi elaborada no sentido de que Lei 6.019/1974 trabalho temporário, seria inaplicável na hipótese de contrato de prestação de serviços. Com isso, seriam indevidas as diferenças salariais decorrentes da isonomia com os empregados efetivos, mesmo constatada a igualdade de funções. Diante da situação retratada, restando evidenciada a terceirização fraudulenta, assinale a afirmativa correta com base na OJ 383, SBDI - 1,TST.

(A).Armin Van Buuren tem direito a isonomia, sendo que a contratação irregular de um trabalhador não gera vínculo com a administração pública direta, indireta ou funcional. Porém, a não vinculação não afasta o direito do empregado terceirizado às mesmas verbas trabalhistas, legais e normativas asseguradas aos empregados efetivos,se compravada a igualdade de funções. Neste caso, aplica-se, por analogia, o artigo 12, alínea "a", da Lei nº 6.019/1974.





quinta-feira, 13 de junho de 2019

Santo Antonio e o curioso caso do julgamento de seu pai


Um rapaz foi assassinado perto da casa de Martinho de Bulhões, pai de Santo Antonio. Os assassinos levaram o corpo para o quintal de Martinho e ali o enterraram, sem que o proprietário do terreno soubesse, Mais tarde, doi descoberto pela Justiça o corpo na casa do infeliz fidalgo e este foi acusado pelo crime. Diante dos gravíssimos indícios de sua culpa, permaneceu quinze meses preso e, finalmente, estava sendo julfado e seria com certeza condenado à morte.
Frei Antônio foi misteriosamente avisado do perigo que ameaçava seu pai. Imediatamente pediu ao Guardião do convento que o deixasse ausentar-se de Pádua por pouco tempo. Assim que foi autorizado, viu-se transportado num instante à Lisboa, indo direto aotribunal e, depois de beijar a mão de seu pai em sinal de respeito, tomou a sua defesa. Os juízes ficaram impressionados com o aparecimento daquele inesperado advogado e com a segurança com que ele falava, mas não se convenceram da inocência do réu, tantas eram as provas que tinham de sua culpa.
Faltando testemunhas de defesa, Santo Antônio apelou para o depoimento da vítima. Os assistentes, surpresos com a estranha proposta, começaram a rir. Msd Frei Antônio insistiu e os juízes levados pela curiosidade, consentiram que ele chamasse o morto como testemunha da defesa. Chegados à sepultura do falecido, o Santo ordenou que a abrissem e chamou o frio cadáver em voz alta. ordenando=lhe em nome de Deus que dissesse aos juízes a verdade sobre o seu assassinato.
Imediatamente o morto levantou-se como se estivesse vivo e respondeu com voz sonora que Martinho de Bulhões era inocente e não estava manchado pelo seu sangue. Em seguida, deitou-se na sepultura. Santo Antonio, depois de se despedir do pai, desapareceu. Ficaram os juízes e a assistência assombrados com o milagre que acabavam de presenciar. O nobre Martinho de Bulhões, graças ao seu santo filho, teve sua vida salva. Os verdadeiros culpados foram descobertos.

domingo, 9 de junho de 2019

As mensagens secretas da Lava Jato

Mensagens vazadas revelam que Moro orientou investigações da Lava Jato


Nas conversas, ao longo de dois anos, Moro sugeriu que o procurador Deltan Dallagnol trocasse a ordem de fases da Lava Jato, deu conselhos e pistas informais de investigação e antecipou uma decisão que ele ainda daria.

PARTE 1:


A Intercept Brasil publicou hoje três reportagens explosivas mostrando discussões internas e atitudes altamente controversas, politizadas e legalmente duvidosas da força-tarefa da Lava Jato, coordenada pelo procurador renomado Deltan Dallagnol, em colaboração com o atual ministro da Justiça, Sergio Moro, celebrado a nível mundial.

Produzidas a partir de arquivos enormes e inéditos incluindo mensagens privadas, gravações em áudio, vídeos, fotos, documentos judiciais e outros itens  enviados por uma fonte anônima, as três reportagens revelam comportamentos antiéticos e transgressões que o Brasil e o mundo têm o direito de conhecer.

O material publicado hoje no Brasil também foi resumido em duas reportagens em inglês publicadas no Intercept, bem como essa nota dos editores do The Intercept e do The Intercept Brasil.

Esse é apenas o começo do que pretendemos tornar uma investigação jornalística contínua das ações de Moro, do procurador Deltan Dallagnol e da força-tarefa da Lava Jato  além da conduta de inúmeros indivíduos que ainda detêm um enorme poder político e econômico dentro e fora do Brasil.

A importância dessas revelações se explica pelas consequências incomparáveis das ações da Lava Jato em todos esses anos de investigação. Esse escândalo generalizado envolve diversos oligarcas, lideranças políticas, os últimos presidentes e até mesmo líderes internacionais acusados de corrupção.


O mais relevante: a Lava Jato foi a saga investigativa que levou à prisão o ex-presidente Lula no último ano. Uma vez sentenciado por Sergio Moro, sua condenação foi rapidamente confirmada em segunda instância, o tornando inelegível no momento em que todas as pesquisas mostravam que Lula  que terminou o segundo mandato, em 2010, com 87% de aprovação  liderava a corrida eleitoral de 2018. Sua exclusão da eleição, baseada na decisão de Moro, foi uma peça-chave para abrir um caminho para a vitória de Bolsonaro. A importância dessa reportagem aumentou ainda mais depois da nomeação de Moro ao ministério da Justiça.

Moro e os procuradores da Lava Jato são figuras altamente controversas aqui e no mundo  tidos por muitos como heróis anticorrupção e acusados por tantos outros de ser ideólogos clandestinos de direita, disfarçados como homens da lei apolíticos. Seus críticos têm insistido que eles exploraram e abusaram de seus poderes na justiça com o objetivo político de evitar que Lula retornasse à presidência e destruir o PT. Moro e os procuradores têm negado, com a mesma veemência, qualquer aliança ou propósito político, dizendo que estão apenas tentando livrar o Brasil da corrupção.

Mas, até agora, os procuradores da Lava Jato e Moro têm realizado parte de seu trabalho em segredo, impedindo o público de avaliar a validade das acusações contra eles. É isso que torna este acervo tão valioso do ponto de vista jornalístico: pela primeira vez, o público vai tomar conhecimento do que esses juízes e procuradores estavam dizendo e fazendo enquanto pensavam que ninguém estava ouvindo.

As reportagens de hoje mostram, entre outros elementos, que os procuradores da Lava Jato falavam abertamente sobre seu desejo de impedir a vitória eleitoral do PT e tomaram atitudes para atingir esse objetivo; e que o juiz Sergio Moro colaborou de forma secreta e antiética com os procuradores da operação para ajudar a montar a acusação contra Lula. Tudo isso apesar das sérias dúvidas internas sobre as provas que fundamentaram essas acusações e enquanto o juiz continuava a fingir ser o árbitro neutro neste jogo.

O único papel do Intercept Brasil na obtenção desse material foi seu recebimento por meio de nossa fonte, que nos contatou há diversas semanas (bem antes da notícia da invasão do celular do ministro Moro, divulgada nesta semana, na qual o ministro afirmou que não houve captação de conteúdo) e nos informou de que já havia obtido todas as informações e estava ansiosa para repassá-las a jornalistas.

Informar à sociedade questões de interesse público e expor transgressões foram os princípios que nos guiaram durante essa investigação, e continuarão sendo conforme continuarmos a noticiar a enorme quantidade de dados a que tivemos acesso.

O enorme volume do acervo, assim como o fato de que vários documentos incluem conversas privadas entre agentes públicos, nos obriga a tomar decisões jornalísticas sobre que informações deveriam ser noticiadas e publicadas e quais deveriam permanecer em sigilo.

Ao fazer esses julgamentos, empregamos o padrão usado por jornalistas em democracias ao redor do mundo: as informações que revelam transgressões ou engodos por parte dos poderosos devem ser noticiadas, mas as que são puramente privadas e infringiriam o direito legítimo à privacidade ou outros valores sociais devem ser preservadas.

A bem da verdade, ao produzir reportagens a partir desses arquivos, somos guiados pela mesma argumentação que levou boa parte da sociedade brasileira, aí incluídos alguns jornalistas, comentaristas políticos e ativistas, a aplaudir a publicidade determinada pelo então juiz Moro das conversas telefônicas privadas entre a presidente Dilma Rousseff e seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva (em que discutiam a possibilidade do ex-presidente se tornar ministro da Casa Civil), logo reproduzidas por inúmeros veículos de mídia. A divulgação dessas ligações privadas foi crucial para virar a opinião do público contra o PT, ajudando a preparar o terreno para o impeachment de Dilma em 2016 e a prisão de Lula em 2018. O princípio invocado para justificar essa divulgação foi o mesmo a que estamos aderindo em nossas reportagens sobre esse acervo: o de que uma democracia é mais saudável quando ações de relevância levadas a cabo em segredo por figuras políticas poderosas são reveladas ao público.


Mas a divulgação feita por Moro e diversos veículos da imprensa dos diálogos privados entre Lula e Dilma incluíam não apenas revelações de interesse público, mas também comunicações privadas de Lula sem qualquer relevância para a sociedade  o que levou muitas pessoas a argumentarem que a divulgação tinha o propósito de constranger pessoalmente o ex-presidente. Ao contrário deles, o Intercept decidiu manter reservada qualquer comunicação ou informação relacionada a Moro, Dallagnol e outros indivíduos que seja de natureza puramente privada e, portanto, desprovida de real interesse público.

Nós tomamos medidas para garantir a segurança deste acervo fora do Brasil, para que vários jornalistas possam acessá-lo, assegurando que nenhuma autoridade de qualquer país tenha a capacidade de impedir a publicação dessas informações.

Ao contrário do que tem como regra, o Intercept não solicitou comentários de procuradores e outros envolvidos nas reportagens para evitar que eles atuassem para impedir sua publicação e porque os documentos falam por si. Entramos em contato com as partes mencionadas imediatamente após publicarmos as matérias, que atualizaremos com os comentários assim que forem recebidos.

Tendo em vista o imenso poder dos envolvidos e o grau de sigilo com que eles operam até agora, a transparência é crucial para que o Brasil tenha um entendimento claro do que eles realmente fizeram. A liberdade de imprensa existe para jogar luz sobre aquilo que as figuras mais poderosas de nossa sociedade fazem às sombras.


PARTE 2:



Um extenso lote de arquivos secretos revela que os procuradores da Lava Jato, que passaram anos insistindo que são apolíticos, tramaram para impedir que o Partido dos Trabalhadores, o PT, ganhasse a eleição presidencial de 2018, bloqueando ou enfraquecendo uma entrevista pré-eleitoral com Lula com o objetivo explícito de afetar o resultado da eleição.


Os arquivos, a que o Intercept teve acesso com exclusividade, contêm, entre outras coisas, mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram. Neles, os procuradores da força-tarefa em Curitiba, liderados por Deltan Dallagnol, discutiram formas de inviabilizar uma entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à colunista da Folha de S.Paulo Mônica Bergamo, autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski porque, em suas palavras, ela pode eleger o Haddad ou permitir a volta do PT ao poder.

Os procuradores, que por anos garantiram não ter motivações políticas ou partidárias, manifestaram repetidamente nos chats a preocupação de que a entrevista, a ser realizada a menos de duas semanas do primeiro turno das eleições, ajudaria o candidato à Presidência pelo PT, Fernando Haddad. Por isso, articularam estratégias para derrubar a decisão judicial de 28 de setembro de 2018, que a liberou  ou, caso ela fosse realizada, para garantir que fosse estruturada de forma a reduzir seu impacto político e, assim, os benefícios eleitorais ao candidato do PT.


Essas discussões ocorreram no mesmo dia em que o STF acatou o pedido de entrevista da Folha de S.Paulo. Conforme noticiado no Consultor Jurídico: Na decisão, o ministro [Ricardo Lewandowski] citou que o Plenário do STF garantiu ‘a ‘plena’ liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia'.

Os diálogos demonstram que os procuradores não são atores apartidários e apolíticos, mas, sim, parecem motivados por convicções ideológicas e preocupados em evitar o retorno do PT ao poder. As conversas fazem parte de um lote de arquivos secretos enviados ao Intercept por uma fonte anônima há algumas semanas (bem antes da notícia da invasão do celular do ministro Moro, divulgada nesta semana, na qual o ministro afirmou que não houve captação de conteúdo). O único papel do Intercept foi receber o material da fonte, que nos informou que já havia obtido todas as informações e estava ansiosa para repassá-las a jornalistas. A declaração conjunta dos editores do The Intercept e do Intercept Brasil  explica os critérios editoriais usados para publicar esses materiais, incluindo nosso método para trabalhar com a fonte anônima.


Naquele dia, a comoção teve início às 10h da manhã, assim que o grupo soube da decisão de Lewandowski. O ministro ressaltou que os argumentos usados para impedir a entrevista de Lula na prisão eram claramente inválidos, uma vez que com frequência entrevistas são concedidas por condenados por crimes de tráfico, homicídio ou criminosos internacionais, sendo este um argumento inidôneo para fundamentar o indeferimento do pedido de entrevista. Assim, levando em conta que Lula não [se encontra] em estabelecimento prisional, em que pode existir eventual risco de rebelião e tampouco se encontra sob o regime de incomunicabilidade, o ministro decidiu em favor da entrevista.



Um clima de revolta e pânico se espalhou entre os procuradores. Acreditando se tratar de uma conversa privada que jamais seria divulgada, eles deixaram explícitas suas motivações políticas.



A procuradora Laura Tessler logo exclamou: Que piada!!! Revoltante!!! Lá vai o cara fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro circo. E depois de Mônica Bergamo, pela isonomia, devem vir tantos outros jornalistas e a gente aqui fica só fazendo papel de palhaço com um Supremo desse.

Uma outra procuradora, Isabel Groba, respondeu com apenas uma palavra e várias exclamações: Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!.

Após uma hora, Tessler deixou explícito o que deixava os procuradores tão preocupados: sei lá mas uma coletiva antes do segundo turno pode eleger o Haddad.

Enquanto essas mensagens eram trocadas no grupo dos procuradores da Lava Jato, Dallagnol estava conversando em paralelo com uma amiga e confidente identificada no seu Telegram apenas como ‘Carol PGR’ (cuja identidade não foi confirmada pelo Intercept). Lamentando a possibilidade de Lula ser entrevistado antes das eleições, os dois estavam expressamente de acordo que o objetivo principal era impedir o retorno do PT à presidência e concordaram que rezariam para que isso não ocorresse.



Carol PGR  11:22:08 Deltannn, meu amigo
Carol PGR  11:22:33 toda solidariedade do mundo à você nesse episódio da Coger, estamos num trem desgovernado e não sei o que nos espera
Carol PGR 11:22:44 a única certeza é que estaremos juntos
Carol PGR 11:24:06 ando muito preocupada com uma possivel volta do PT, mas tenho rezado muito para Deus iluminar nossa população para que um milagre nos salve
Deltan Dallagnol 13:34:22 Valeu Carol!
13:34:27 Reza sim
13:34:32 Precisamos como país




Não se trata de uma confissão isolada. Toda a discussão, que se estendeu por várias horas, parece mais uma reunião entre estrategistas e operadores anti-PT do que uma conversa entre procuradores supostamente imparciais.

Descartada a possibilidade de impedir a entrevista, eles passaram a debater qual formato traria menos benefícios políticos para Lula: uma entrevista a sós com Mônica Bergamo, ou uma coletiva de imprensa com vários jornalistas. Januário Paludo, por exemplo, propôs as seguintes medidas: Plano a: tentar recurso no próprio stf, possibilidade Zero. Plano b: abrir para todos fazerem a entrevista no mesmo dia. Vai ser uma zona mas diminui a chance da entrevista ser direcionada.

Outro procurador, Athayde Ribeiro Costa, sugeriu expressamente que a Polícia Federal manobrasse para que a entrevista fosse feita depois das eleições, já que não havia indicação explícita da data em que ela deveria ocorrer. Dessa forma, seria possível evitar a entrevista sem descumprir a decisão.



Athayde Costa  12:02:22 N tem data. So a pf agendar pra dps das eleicoes. Estara cumprindo a decisao
12:03:00 E se forcarem antes, desnuda ainda mais o carater eleitoreiro


Uma coletiva de imprensa, além de diluir o foco da entrevista, ainda traria a vantagem de possivelmente inviabilizá-la operacionalmente, como pontuou o procurador Julio Noronha horas depois. Ele também sugeriu abrir a entrevista a outros presos para reduzir a repercussão:


Julio Noronha 17:43:37 Como o Lewa já autorizou, acho que só há dois cenários: a) A entrevista só para a FSP, possivelmente com o circo armado e preparado; b) tentar ampliar para outros, para o ciro ser menor armado e preparado, com a chance de, com a possível confusão, não acontecer.




(Quando a entrevista foi finalmente autorizada, em abril passado, a Polícia Federal, agora sob o comando do ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, Sergio Moro, o ex-juiz que havia condenado Lula à prisão, tentou transformá-la numa coletiva de imprensa. Um pedido do El País acatado por Lewandowski finalmente pôs o plano por terra.)

Em nenhum trecho da conversa Dallagnol, que participou de forma ativa das discussões, ou qualquer outro procurador, indicou desconforto com as motivações políticas explícitas das estratégias da acusação. Mais do que isso, esse grupo de Telegram, ativo por meses, sugere que esse tipo de cálculo político era rotineiro nas decisões da força-tarefa.

Em um momento, um dos procuradores citou um artigo publicado no site O Antagonista informando que a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, não pretendia recorrer da decisão autorizando a entrevista. Os procuradores especularam imediatamente sobre as causas da escolha de Dodge:



Jerusa Viecilli  15:54:27
Athayde Costa  17:15:32 Ela ja ta pensando é na indicacao ao STF caso Hadadd ganhe
17:16:01 Absurdo
Laura Tessler  17:16:03 que palhaçada adora jogar pra platéia quer ganhar o apoio da imprensa ao nome dela



Parte das discussões tratava também de vazar uma eventual petição para veículos de imprensa.


Paulo Galvão  20:09:30 Passaram a petição da entrevista pro antagonista?
20:09:51 Vcs querem passar p globo?



Os procuradores da força-tarefa estavam tão alarmados com a possibilidade de uma entrevista de Lula levar o PT à vitória que compartilharam um artigo irônico do Antagonista. Publicado naquele dia, o texto sugeria que, num eventual governo Haddad, Lula sai da cadeia e os procuradores da Lava Jato entram no lugar dele.
Os receios dos procuradores, porém, foram logo acalmados. Às 22h49 do mesmo dia, o procurador Julio Noronha compartilhou mais uma reportagem do Antagonista, dessa vez com uma boa notícia: Partido Novo Recorre ao STF Contra Entrevista de Lula. Uma hora depois, o clima era de comemoração. O ministro do STF Luiz Fux concedeu uma liminar contra a entrevista, atendendo ao pedido do Partido Novo. Na decisão, o ministro diz que se faz necessária a relativização excepcional da liberdade de imprensa. Januário Paludo foi taxativo: Devemos agradecer à nossa PGR: Partido Novo!!!.

Os procuradores não demonstraram preocupação com o fato de um ministro do STF ter poder para suspender a liberdade de imprensa  ou de que um partido que se diz liberal entrou com um pedido nesse sentido. Pelo contrário, os procuradores comemoraram a proibição.



Januário Paludo  23:41:02 Eu fiquei sabendo agora
Deltan  23:41:32 Rsrsrs
Athayde Costa  23:42:02 O clima no stf deve ta otimo
Januário Paludo  23:42:11 vai ser uma guerra de liminares



POR ANOS, A LAVA JATO foi acusada de operar com motivações políticas, partidárias e ideológicas, e não jurídicas. A força-tarefa vem negando isso de forma veemente. Agora que suas conversas estão se tornando públicas, a população terá a oportunidade de decidir por si mesma. As discussões do dia 28 de setembro trazem indícios significativos de que a força-tarefa não é o grupo apolítico e apartidário de luta anticorrupção que os procuradores e seus aliados na mídia tentam pintar.
Ao contrário do que tem como regra, o Intercept não solicitou comentários de procuradores e outros envolvidos nas reportagens, para evitar que eles atuassem para impedir sua publicação e porque os documentos falam por si. Entramos em contato com as partes mencionadas imediatamente após publicarmos as matérias, que atualizaremos com os comentários assim que forem recebidos.



Parte 3


Faltavam apenas quatro dias para que a denúncia que levaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão fosse apresentada, mas o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba tinha dúvidas sobre a solidez da história que contaria ao juiz Sergio Moro. A apreensão de Deltan Dallagnol, que, junto com outros 13 procuradores, revirava a vida do ex-presidente havia quase um ano, não se devia a uma questão banal. Ele estava inseguro justamente sobre o ponto central da acusação que seria assinada por ele e seus colegas: que Lula havia recebido de presente um apartamento triplex na praia do Guarujá após favorecer a empreiteira OAS em contratos com a Petrobras.

No dia 9 de setembro de 2016, precisamente às 21h36 daquela sexta-feira, Deltan Dallagnol enviou uma mensagem a um grupo batizado de Incendiários ROJ, formado pelos procuradores que trabalhavam no caso.

Ele digitou: Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto. São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua.

As matérias de jornais a que o procurador se referiu são as dezenas citadas na peça de acusação. Dallagnol fazia sua última leitura da denúncia e debatia o texto com o grupo, analisando ponto a ponto cada item que seria oferecido à 13ª vara de Curitiba, onde Sergio Moro atuava como juiz.

Naquele dia, ninguém respondeu à dúvida de Dallagnol: se o apartamento triplex poderia ser apontado como propina para Lula nos casos de corrupção na Petrobras. O documento seria anunciado ao público, com direito a um hoje famoso PowerPoint, dali a poucos dias.

Sem essa ligação, o caso não poderia ser tocado em Curitiba, onde apenas ações relacionadas à empresa eram objeto de investigação. A ligação do apartamento com a corrupção na petrolífera tinha gerado uma guerra jurídica nos primeiros meses daquele 2016. De um lado, o Ministério Público do Estado de São Paulo. Do outro, a força-tarefa de Curitiba.

Caso o caso ficasse em São Paulo, não seria julgado por Sergio Moro, o atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e ex-juiz que ajudou coordenar a operação quando era o encarregado pela 13ª Vara Federal de Curitiba, como mostram diálogos revelados pelo Intercept.

O MPSP já investigava o caso Bancoop muito antes de Curitiba. Em uma disputa que envolveu até mesmo o Supremo Tribunal Federal, a Lava Jato tentava tirar o caso das mãos dos paulistas para denunciar e julgar Lula em Curitiba. Para isso, o imóvel de Lula precisaria obrigatoriamente ter relação com a corrupção na Petrobras.

Não era o entendimento dos promotores de São Paulo. Em março de 2016, ao recorrerem de uma decisão judicial que jogava o caso nas mãos de Dallagnol, eles disseram: Em 2009/2010 não se falava de escândalo na Petrobras. Em 2005 quando o casal presidencial, em tese, começou a pagar pela cota-parte do imóvel, não havia qualquer indicação do escândalo do ‘petrolão’. Ao contrário, estávamos no período temporal referente ao escândalo do ‘mensalão’. Não é possível presumir genericamente e sem conhecer detidamente as investigações que tramitam perante a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba que tudo tenha partido de corrupção na estatal envolvendo desvio de recursos federais.


Mas a Lava Jato venceu e, pouco tempo depois, os procuradores conseguiram tirar o caso de São Paulo alegando que o caso do triplex tinha, sim, envolvimento com a Petrobras. Agora, com a revelação das conversas secretas do grupo da Lava Jato, descobre-se que os procuradores blefaram  eles não tinham certeza dessa relação nem mesmo poucas horas antes de apresentarem a denúncia.

E, assim, o caso parou no colo do aliado Sergio Moro.


TESÃO DEMAIS ESSA MATÉRIA. VOU DAR UM BEIJO EM QUEM ACHOU’



CERCA DE 24 HORAS DEPOIS, no sábado, 10, quando aparentemente chegou ao item 191 do documento (que teria, em sua redação final, 274 itens), Dallagnol vibrou com o que leu. Ele escreveu, às 22h45: tesao demais essa matéria do O GLOBO de 2010. Vou dar um beijo em quem de Vcs achou isso. A reportagem a qual ele se referia : Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado - foi a primeira a tratar do apartamento no Guarujá, muito antes da Lava Jato. Sem mencionar OAS ou Petrobras, ela dizia apenas que a falência da cooperativa que construía o prédio poderia prejudicar o casal Lula.



Seguiu-se então uma série de mensagens de Dallagnol a respeito da reportagem:



Deltan Dallagnol – 23:05:11 – Sabemos qual a fonte da matéria? Será que não vale perguntar para a repórter, a Tatiana Farah, qual foi a vonte dela? [O procurador certamente quis escrever “fonte”]
23:05:29 – Acho que vale. Informalmente e, se ela topar, dá para ouvi-la.
23:05:58 – Pq se ele já era dono em 2010 do triplex… a reportagem é um tesão, mas se convertermos em testemunho pode ser melhor
23:06:08 – Podemos fazer contato via SECOM, topam?
23:06:27 – vou pedir pra ascom o contato



No mesmo minuto, Dallagnol foi a outro chat no Telegram em que além dele estavam apenas os dois assessores de imprensa da operação em Curitiba. “Consegguem pra mim o contato da reporter que fez esta matéria?”, ele teclou. “pede celular, please… precisamos meio que urgente”, insistiu, às 23h55, sem perceber que um dos assessores já enviara o número da jornalista.

Mesmo antes de ter o telefone, no entanto, Dallagnol já parecia aliviado quando retornou ao grupo Incendiários ROJ, em que postou às 23h08: “Vcs não têm mais a mesma preocupacção que tinham quanto ao imóvel, certo? Pergunto pq estou achando top e não estou com aquela preocupação. Acho que o slide do apto tem que ser didático tb. Imagino o mesmo do lula, balões ao redor do balão central, ou seja, evidências ao redor da hipótese de que ele era o dono”, já sugerindo a ideia para o PowerPoint que apresentaria aos jornalistas dali a alguns dias.

Quando voltou ao grupo com os assessores e viu que o número de telefone havia sido enviado, ele imediatamente encaminhou o contato aos procuradores Roberson Pozzobon e Júlio Noronha, junto com um pedido e algumas orientações:
Deltan Dallagnol – 23:56:11 – Vcs ligam pra ela?
23:57:24 – Na ligação tem que ser totalmente respeitoso e deferencial em relação ao sigilo de fonte
23:58:14 – Tem que dizer que viram, queriam parabenizar pela matéria, e que, respeitado o dto de fonte, caso não seja o casso de manter o sigilo, se ela poderia indicar quem foi a fonte, ainda que ap´so eventual conferência ou conversa com as fontes…

Pelo diálogo no grupo Incendiários ROJ, não é possível saber se Pozzobon ou Noronha fizeram o que lhes foi pedido. Mas a reportagem seria mencionada ainda outra vez nas conversas privadas, agora a dois dias da entrevista em que a denúncia contra Lula seria apresentada.

No dia seguinte, véspera da denúncia, foi a vez do procurador Januário Paludo se lembrar da matéria do Globo num outro chat, intitulado Filhos do Januário 1:

“Conversei com a TATIANA FARAH DE MELLO, que fez a reportagem em 2010 sobre o TRIPLEX. Ela realmente confirmou que foi para GUARUJA e lá colheu diversas informações sobre os empreendimentos da BANCOOP. A matéria era para ser sobre a BANCOOP e o calote dado nos mutuários. Em guaruja conversando com funcionários da obra – que ainda estava no esqueleto, é que ela descobriu que o triplex seria do Lula. Ela manteve contato com a Assessoria de comunicação do Palácio do Planalto que confirmou a informação. Toda parte documental, como e-mail e outros dados foram inutilizados quando ela saiu do ‘o Globo’. Acho que podemos tomar por termo o depoimento. Marco uma video e pronto”, escreveu o procurador às 17h40.

“Boooooa demais Jan!”, respondeu imediatamente Pozzobon. Mas outro procurador, Carlos Fernando dos Santos Lima, pediu prudência: “Creio que tomar depoimento de jornalista não é conveniente.”

OS PROBLEMAS DA PROVA QUE MORO CHAMOU DE ‘BASTANTE RELEVANTE’

A REPORTAGEM DO GLOBO não foi um item trivial nesse caso: além de figurar na denúncia como prova de que o triplex era de fato do casal Lula, foi usada na sentença assinada por Sergio Moro. Sobre ela, o juiz escreveu: “A matéria em questão é bastante relevante do ponto de vista probatório.”

Mas a reportagem não bate com ao menos dois pontos do que é dito na denúncia do MPF. O texto do Globo atribui o triplex a Lula e, para comprovar isso, usa a declaração do então candidato à reeleição apresentada à Justiça Eleitoral em 2006. Ela afirma o seguinte: “Participação Cooperativa Habitacional Apartamento em construção no Guarujá – SP Maio 2005 – R$ 47.695,38 já pagos”. Em tese, a cota poderia ser usada para qualquer apartamento – a defesa de Lula alegaria mais tarde que se tratava de uma unidade simples. O que é certo é que a palavra triplex não aparece na lista de bens do político usada pelo Globo.

A segunda inconsistência poderia ter sido percebida pelos procuradores com uma leitura atenta da própria reportagem. A matéria do Globo atribuiu a Lula a propriedade de um triplex na torre B, o prédio dos fundos do condomínio. Isso fica claro na matéria: “A segunda torre (a torre A), se construída como informa a planta do empreendimento, lançado no início dos anos 2000, pode acabar com parte da alegria de Lula: o prédio ficará na frente do imóvel do presidente, atrapalhando a vista para o mar do Guarujá, cidade do litoral paulista”.

A Lava Jato usou a reportagem como prova de que o apartamento era, sim, uma propriedade ou uma aspiração da família presidencial, mas indicou outro imóvel na denúncia.
Na denúncia feita pela Lava Jato, no entanto, os procuradores afirmam que o triplex de Lula fica na torre A, que ainda não existia quando a reportagem foi publicada. Mas, no item 191 da denúncia assinada pelos 14 procuradores, há o seguinte trecho (citando a reportagem do Globo): “Essa matéria dava conta de que o então Presidente LULA e MARISA LETÍCIA seriam contemplados com uma cobertura triplex, com vista para o mar, no referido empreendimento”.

Segundo a apuração do jornal, isso não é verdade. A reportagem diz claramente que o casal Lula da Silva perderia a vista para o mar com a construção da torre A, que seria erguida à frente da torre B, portanto, em frente ao triplex que o Globo atribuiu a Lula.

A Lava Jato usou a reportagem como prova de que o apartamento era, sim, uma propriedade ou uma aspiração da família presidencial, mas indicou outro imóvel na denúncia. Uma evidência de que a investigação foi imprecisa num dos pontos mais cruciais da acusação: na definição do imóvel que materializaria a propina que Lula teria recebido da empreiteira.

Ao longo de semanas, nós tentamos contatos com fontes que poderiam ter acesso à troca de e-mails entre a assessoria do petista e a repórter do jornal, mas não obtivemos sucesso. Enquanto o Globo alega que os e-mails foram “inutilizados”, a assessoria diz não ter guardado cópia. Uma terceira dúvida, portanto, ainda permanece: a reportagem diz que Lula era dono de um triplex no prédio, mas diz que a assessoria da Presidência confirmou que o petista tinha um “imóvel” no local.

O que é verdade: a cota estava declarada em seu imposto de renda. Sem os e-mails, não há como saber se o Globo inquiriu Lula sobre o triplex ou apenas sobre um imóvel, ou se a assessoria do petista tomou uma coisa por outra – e, sem querer, abasteceu a denúncia que viria contra Lula anos depois.

Ainda que a localização do triplex na torre A ou B pareça irrelevante para a acusação por lavagem de dinheiro, ela deveria ao menos colocar em dúvida o valor de prova da reportagem, mencionada por Moro como um dos argumentos para a condenação de Lula.

‘A DENÚNCIA É BASEADA EM MUITA PROVA INDIRETA DE AUTORIA, MAS NÃO CABERIA DIZER ISSO’

NA VÉSPERA DA DENÚNCIA, Dallagnol voltou ao celular e comentou mais uma vez sobre a peça de acusação, analisando a qualidade das provas que eles tinham em mãos. “A opinião pública é decisiva e é um caso construído com prova indireta e palavra de colaboradores contra um ícone que passou incolume pelo mensalão”, ele teclou no grupo Filhos do Januário 1.

No dia seguinte, quarta-feira, 14, a Lava Jato mostraria sua primeira denúncia contra Lula, numa entrevista coletiva em uma sala de reuniões de um hotel de luxo em Curitiba. O triplex – segundo a Lava Jato, reformado pela OAS e doado ao político como propina em contratos da empreiteira com a Petrobras – era a peça central da denúncia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Dallagnol voltaria ao assunto numa conversa privada com o então juiz Sergio Moro, em 16 de setembro, dois dias após a denúncia. O procurador estava sendo duramente criticado por parte da opinião pública, que alegava fragilidade na denúncia. Tinha virado, também, alvo de chacotas e memes pelo PowerPoint que apresentou na entrevista coletiva.

O coordenador da Lava Jato escreveu a Moro: “A denúncia é baseada em muita prova indireta de autoria, mas não caberia dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto.” Depois, entrou em detalhes técnicos: “Não foi compreendido que a longa exposição sobre o comando do esquema era necessária para imputar a corrupção para o ex-presidente. Muita gente não compreendeu porque colocamos ele como líder para imperar 3,7MM de lavagem, quando não foi por isso, e sim para inputar 87MM de corrupção.”

Em privado, Dallagnol confirmava a Moro que a expressão usada para se referir a Lula durante a apresentação à imprensa (“líder máximo” do esquema de corrupção) era uma forma de vincular ao político os R$ 87 milhões pagos em propina pela OAS em contratos para obras em duas refinarias da Petrobras – uma acusação sem provas, ele mesmo admitiu, mas que era essencial para que o caso pudesse ser julgado por Moro em Curitiba.

Preocupado com a repercussão pública de seu trabalho – uma obsessão do procurador, como demonstra a leitura de diversas de suas conversas –, ele prossegue: “Ainda, como a prova é indireta, ‘juristas’ como Lenio Streck e Reinaldo Azevedo falam de falta de provas. Creio que isso vai passar só quando eventualmente a página for virada para a próxima fase, com o eventual recebimento da denúncia, em que talvez caiba, se entender pertinente no contexto da decisão, abordar esses pontos”, escreveu a Sergio Moro.

Dois dias depois, Moro afagaria o procurador: “Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme.” Menos de um ano depois, o juiz condenaria Lula a nove anos e seis meses de prisão.

Ao contrário do que tem como regra, o Intercept não solicitou comentários de procuradores e outros envolvidos nas reportagens, para evitar que eles atuassem para impedir sua publicação e porque os documentos falam por si. Entramos em contato com as partes mencionadas imediatamente após publicarmos as matérias, que atualizaremos com os comentários assim que eles sejam recebidos.

Parte 4


Sergio Moro e Deltan Dallagnol trocaram mensagens de texto que revelam que o então juiz federal foi muito além do papel que lhe cabia quando julgou casos da Lava Jato. Em diversas conversas privadas, até agora inéditas, Moro sugeriu ao procurador que trocasse a ordem de fases da Lava Jato, cobrou agilidade em novas operações, deu conselhos estratégicos e pistas informais de investigação, antecipou ao menos uma decisão, criticou e sugeriu recursos ao Ministério Público e deu broncas em Dallagnol como se ele fosse um superior hierárquico dos procuradores e da Polícia Federal.

“Talvez fosse o caso de inverter a ordem da duas planejadas”, sugeriu Moro a Dallagnol, falando sobre fases da investigação. “Não é muito tempo sem operação?”, questionou o atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro após um mês sem que a força-tarefa fosse às ruas. “Não pode cometer esse tipo de erro agora”, repreendeu, se referindo ao que considerou uma falha da Polícia Federal. “Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou entao repassando. A fonte é seria”, sugeriu, indicando um caminho para a investigação. “Deveriamos rebater oficialmente?”, perguntou, no plural, em resposta a ataques do Partido dos Trabalhadores contra a Lava Jato.

As conversas fazem parte de um lote de arquivos secretos enviados ao Intercept por uma fonte anônima há algumas semanas (bem antes da notícia da invasão do celular do ministro Moro, divulgada nesta semana, na qual o ministro afirmou que não houve “captação de conteúdo”). O único papel do Intercept foi receber o material da fonte, que nos informou que já havia obtido todas as informações e estava ansiosa para repassá-las a jornalistas. A declaração conjunta dos editores do The Intercept e do Intercept Brasil (clique para ler o texto completo) explica os critérios editoriais usados para publicar esses materiais, incluindo nosso método para trabalhar com a fonte anônima.

A Constituição brasileira estabeleceu o sistema acusatório no processo penal, no qual as figuras do acusador e do julgador não podem se misturar. Nesse modelo, cabe ao juiz analisar de maneira imparcial as alegações de acusação e defesa, sem interesse em qual será o resultado do processo. Mas as conversas entre Moro e Dallagnol demonstram que o atual ministro se intrometeu no trabalho do Ministério Público – o que é proibido – e foi bem recebido, atuando informalmente como um auxiliar da acusação.

A atuação coordenada entre o juiz e o Ministério Público por fora de audiências e autos (ou seja, das reuniões e documentos oficiais que compõem um processo) fere o princípio de imparcialidade previsto na Constituição e no Código de Ética da Magistratura, além de desmentir a narrativa dos atores da Lava Jato de que a operação tratou acusadores e acusados com igualdade. Moro e Dallagnol sempre foram acusados de operarem juntos na Lava Jato, mas não havia provas explícitas dessa atuação conjunta – até agora.

Moro negou em diversas oportunidades que trabalhava em parceria com o MPF. “Vamos colocar uma coisa muito clara, que se ouve muito por aí que a estratégia de investigação do juiz Moro. […] Eu não tenho estratégia de investigação nenhuma. Quem investiga ou quem decide o que vai fazer e tal é o Ministério Público e a Polícia [Federal]. O juiz é reativo. A gente fala que o juiz normalmente deve cultivar essas virtudes passivas. E eu até me irrito às vezes, vejo crítica um pouco infundada ao meu trabalho, dizendo que sou juiz investigador”, desafiou, numa palestra que proferiu em março de 2016.

SERGIO MORO DIZ QUE NÃO É UM JUIZ INVESTIGADOR

Desde o início da operação, em 2013, Dallagnol e o MPF tentaram passar uma imagem de que Moro atuava com imparcialidade e distância dos acusadores. “Sempre avaliou os pedidos do Ministério Público de modo imparcial e técnico”, escreveu o procurador, sobre o então juiz, em seu livro de memórias. A Procuradoria-Geral da República endossou essa narrativa. “Assim, inviável a declaração de nulidade de todos os atos praticados no curso da ação penal processada e julgada pelo Juízo Criminal Federal de Curitiba, que se manteve imparcial durante toda a marcha processual”, escreveu a PGR em parecer pró-Moro.

Mas a proximidade com o juiz facilitou o trabalho do Ministério Público, e o próprio Dallagnol já admitiu isso. “Demos a ‘sorte’ de que o caso caísse nas mãos de um juiz como Sergio Moro”, escreveu Dallagnol no Twitter e no seu livro.

OS DIÁLOGOS:

“VIRAM ISSO????”, escreveu no Telegram Athayde Ribeiro Costa, um dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná. “PqP!”, respondeu Roberson Pozzobon, membro da equipe e do grupo FT MPF Curitiba 2, no qual procuradores da Lava Jato de Curitiba discutiam estratégias para as investigações que transformaram a política brasileira.
As mensagens eram uma reação à notícia “Diretor da Odebrecht que acompanhava Lula em suas viagens será solto hoje”, publicada naquele 16 de outubro de 2015 no blog de Lauro Jardim, do Globo.
Minutos depois, Dallagnol usou o chat privado do Telegram para discutir o assunto com Moro, até então responsável por julgar os casos da Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba.
“Caro, STF soltou Alexandrino. Estamos com outra denúncia a ponto de sair, e pediremos prisão com base em fundamentos adicionais na cota. […] Seria possível apreciar hoje?”, escreveu Dallagnol.
“Não creio que conseguiria ver hj. Mas pensem bem se é uma boa ideia”, alertou o então juiz. Nove minutos depois, Moro deu outra dica ao procurador: “Teriam que ser fatos graves”.
Depois de ouvir a sugestão, Dallagnol repassou a mensagem de Moro para o grupo de colegas de força-tarefa. “Falei com russo”, anunciou, usando o apelido do juiz entre os procuradores. Em seguida, os investigadores da Lava Jato passaram a discutir estratégias para reverter a decisão, mas Alencar não seria preso novamente, numa demonstração clara de que os diálogos entre Moro e Dallagnol influenciaram diretamente os desdobramentos da operação.
Um mês depois, Sergio Moro enviou uma questão a Deltan Dallagnol pelo Telegram. “Olha está um pouco dificil de entender umas coisas. Por que o mpf recorreu das condenacoes dos colaboradores augusto, barusco emario goes na acao penal 5012331-04? O efeito pratico é impedir a execução da pena”, reclamou a Dallagnol. Em teoria, o juiz não deveria ter interesse em resultados do processo, como, por exemplo, o aumento ou redução de penas de um acusado – nem muito menos tirar satisfação com o Ministério Público fora dos autos.
Num despacho publicado às 14h01, o juiz chamou o recurso do MPF de “obscuro”. Minutos depois, às 14h08, Dallagnol respondeu pelo Telegram. Moro rebateu, também pelo aplicativo de mensagens: “Na minha opiniao estao provocando confusão. E o efeito pratico sera jogar para as calendas a existência [da] execução das penas dos colaboradores”.
Em 21 de fevereiro de 2016, Moro se intrometeu no planejamento do MP de forma explícita. “Olá Diante dos últimos . desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem da duas planejadas”, afirmou Moro, numa provável menção às fases seguintes da Lava Jato. Dallagnol disse que haveria problemas logísticos para acatar a sugestão. No dia seguinte, ocorreu a 23ª fase da Lava Jato, a Operação Acarajé.
Dias depois, Moro cometeu um deslize de linguagem que revela como a acusação e o juiz, que deveria avaliar e julgar o trabalho do MP, viraram uma coisa só. “O que acha dessas notas malucas do diretorio nacional do PT? Deveriamos rebater oficialmente? Ou pela ajufe?”, escreveu o juiz em 27 de fevereiro, usando a primeira pessoa do plural, dando a entender que as reações do juiz e do MP deveriam ser coordenadas.
Em 31 de agosto de 2016, Moro mais uma vez escancarou seu papel de aliado dos acusadores ao questionar o ritmo das prisões e apreensões. “Não é muito tempo sem operação?”, perguntou o então juiz ao procurador às 18h44. A última fase da Lava Jato havia sido realizada 29 dias antes – a operação Resta Um, com foco na empreiteira Queiroz Galvão.
A periodicidade – e até mesmo a realização de operações – não deveria ser motivo de preocupação do juiz, mas Moro trabalhava com Dallagnol para impulsionar as ações do Ministério Público, como comprovam os diálogos e comentários habituais nas conversas entre os dois.
“É sim”, respondeu Dallagnol mais tarde. A operação seguinte ocorreu três semanas depois.

‘ESTOU REPASSANDO. A FONTE É SERIA’
O MINISTRO DA JUSTIÇA DE BOLSONARO parece ter cruzado a fronteira que separa juiz e investigador numa conversa de 7 de dezembro de 2015, quando ele passou informalmente uma pista sobre o caso de Lula para que a equipe do MP investigasse. “Entao. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado por ter sidoa ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou entao repassando. A fonte é seria”, escreveu Moro.

“Obrigado!! Faremos contato”, respondeu Dallagnol pouco depois. “E seriam dezenas de imóveis”, acrescentou o juiz. O procurador disse que ligou para a fonte, mas ela não quis falar. “Estou pensando em fazer uma intimação oficial até, com base em notícia apócrifa”, cogitou Dallagnol. Ao que tudo indica, o procurador estava considerando criar uma denúncia anônima para justificar o depoimento da fonte ao MP. O juiz Sergio Moro poderia condenar a solução – ou ficar quieto. Mas endossou a gambiarra: “Melhor formalizar entao”, escreveu Moro.

Mais um sinal de que ele trabalhava em coordenação com a acusação veio numa troca de mensagens em 13 de março de 2016, quando manifestações contra o governo de Dilma Rousseff tomaram as ruas. O juiz revela o desejo de “limpar o congresso”.

Dallagnol – 22:19:29 – E parabéns pelo imenso apoio público hoje. […] Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. […].
Moro – 22:31:53. – Fiz uma manifestação oficial. Parabens a todos nós.
22:48:46 – Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso nao está no horizonte. E nao sei se o stf tem força suficiente para processar e condenar tantos e tao poderosos.

Três dias depois, Dilma tentaria nomear Lula para a Casa Civil, e Moro divulgaria a famosa conversa gravada entre a então presidente e o ex-presidente. Naquela manhã, Dallagnol e Moro conversaram sobre a divulgação dos áudios e se consultaram sobre a estratégia.

Dallagnol – 12:44:28. – A decisão de abrir está mantida mesmo com a nomeacao, confirma?
Moro – 12:58:07. – Qual é a posicao do mpf?
Dallagnol – 15:27:33. – Abrir

As críticas à divulgação dos áudios foram fortes e, seis dias depois, o procurador e o juiz ainda discutiam o assunto:

Dallagnol – 21:45:29. – A liberação dos grampos foi um ato de defesa. Analisar coisas com hindsight privilege é fácil, mas ainda assim não entendo que tivéssemos outra opção, sob pena de abrir margem para ataques que estavam sendo tentados de todo jeito…
[…]
Moro – 22:10:55. – nao me arrependo do levantamento do sigilo. Era melhor decisão. Mas a reação está ruim.

 Uma semana depois da conversa, porém, Moro pediu desculpas pela decisão.

O juiz voltaria a dar conselhos ao MP em 21 de junho de 2016. Deltan Dallagnol apresentou uma prévia impressionante dos indícios de corrupção revelados pela delação de 77 executivos da Odebrecht, que implicavam 150 políticos, incluindo nomes como Michel Temer, Dilma, Lula, Eduardo Cunha, Aécio Neves, Sérgio Cabral e Geraldo Alckmin. “Reservadamente. Acredito que a revelação dos fatos e abertura dos processos deveria ser paulatina para evitar um abrupto pereat mundus”, disse Moro, usando a expressão em latim para um ditado do meio jurídico – “acabe-se o mundo [mas] faça-se justiça”. “Abertura paulatina segundo gravidade e qualidade da prova. Espero que LJ sobreviva ou pelo menos nós”, completou.

Outro conselho veio em em 15 de dezembro de 2016, quando o procurador atualizou o juiz sobre as negociações da delação dos executivos da Odebrecht.

Dallagnol – 16:01:03 – Caro, favor não passar pra frente: (favor manter aqui): 9 presidentes (1 em exercício), 29 ministros (8 em exercício), 3 secretários federais, 34 senadores (21 em exercício), 82 deputados (41 em exercício), 63 governadores (11 em exercício), 17 deputados estaduais, 88 prefeitos e 15 vereadores […].
Moro – 18:32:37 – Opinião: melhor ficar com os 30 por cento iniciais. Muitos inimigos e que transcendem a capacidade institucional do mp e judiciário.


‘NÃO PODE COMETER ESSE TIPO DE ERRO AGORA’

EM MARÇO DE 2017, Moro escreveu a Dallagnol para sugerir por baixo dos panos um caminho para a investigação da Lava Jato – o que, na teoria, só poderia ser feito dentro dos autos. “Prezado, a Deputada Mara Gabrili mandou o texto abaixo para mim, podem dar uma checada nisso. Favor manter reservado”, disse o então juiz.
Seguia-se uma longa mensagem de Gabrilli, do PSDB de SP e atualmente senadora, em que ela sugere que o publicitário Marcos Valério, preso após os processos do Mensalão, fosse ouvido a respeito do assassinato de Celso Daniel, ocorrido em 2002. Daniel era prefeito de Santo André, cidade do ABC paulista, berço político de Lula e do Partido dos Trabalhadores.

Menos de uma hora depois, Moro ouviu que o apelo da então deputada seria levado em conta pela Lava Jato. “Falei com Diogo, que checará”, respondeu Dallagnol, fazendo referência ao procurador Diogo Castor de Mattos.

Dois meses depois, em 8 de maio de 2017, Curitiba parecia à beira de uma guerra civil. Dali a dois dias, Lula se sentaria pela primeira vez diante de Moro para depor, como réu, no caso do triplex. Diante da chegada de caravanas de apoio ao petista – e, em menor número, de fãs de Moro e da Lava Jato –, a secretaria de Segurança Pública do Paraná montou um gigantesco esquema que incluiu até atiradores de elite no dia do julgamento.

Em meio ao clima de tensão, Moro disparou uma mensagem a Dallagnol em que, duramente, o cobrava sobre a intenção de adiar em cima da hora o depoimento do ex-presidente. “Que história é essa que vcs querem adiar? Vcs devem estar brincando”, escreveu, às 19h09. “Não tem nulidade nenhuma, é só um monte de bobagem”, completou.

Dallagnol só respondeu no dia seguinte, às 8h41. “Passei o dia fora ontem. Defenderemos manter. Falaremos com Nivaldo”, ele prometeu. Referia-se a Nivaldo Brunoni, juiz de primeira instância que cobria as férias do relator da Lava Jato no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, João Pedro Gebran Neto. Naquele mesmo dia, Brunoni rejeitou pedido da defesa do petista para adiar o interrogatório.
Dois dias depois, uma outra conversa que revela o clima de camaradagem entre juiz e acusação. “Caro, foram pedidas oitivas na fase do 402, mas fique à vontade, desnecessário dizer, para indeferir. De nossa parte, foi um pedido mais por estratégia”, teclou Dallagnol. Moro respondeu antecipando a sua decisão: “Blz, tranquilo, ainda estou preparando a decisão mas a tendência é indeferir mesmo”.

Em 26 de junho, seria a vez de Moro ditar a estratégia para o Ministério Público Federal manter preso João Vaccari Neto, tesoureiro do PT que ele condenara, mas que seria absolvido por falta de provas, no dia seguinte, pelo TRF4.

Moro – 18:24:25 – Diante das absolvição do Vaccari seria talvez conveniente agilizar julgamento do caso do Skornicki no qual ele tb está preso e condenado. Parece que está para parecer na segunda instância
Dallagnol – 20:54:53 – Providenciamos tb nota de que a PRR vai recorrer
20:57:31 – Tem outras tb no TRF. Alguma razão especial para apontar esta?
Moro – 23:20:53 – Porque Vaccari tb foi condenado nesta?!

 A LEITURA DAS conversas mostra como Moro e Dallagnol ficaram próximos ao longo dos anos. Entre as últimas mensagens a que o Intercept teve acesso, Moro conversa em tom de amizade com o procurador – que tratava o atual ministro como “Caro juiz” no início dos diálogos.

Moro – 15:28:29. – Cara, recebi uma fotos de vc fantasiado de superhomem com um tal de Castor, não sei o que faço mas a Mônica Bergamin está perguntando se vc preferiu o Superman i, oi ou Iii?
Dallagnol – 22:47:06. – Kkkkkkk
22:47:28 – Tá no face tb?
22:48:10 – Se tiver, preciso tirar… ela está me difamando, era na verdade de príncipe que eu estava rs

Mas também houve momentos tensos entre os dois. Em março de 2016, Moro irritou-se com o que considerou um erro da Polícia Federal. “Tremenda bola nas costas da Pf”, digitou o então juiz. As justificativas apresentadas por Dallagnol não o convenceram. “Continua sendo lambança. Não pode cometer esse tipo de erro agora.”

Um ano depois, Moro, aparentemente irritado com uma das procuradoras da força-tarefa da Lava Jato, fez um pedido delicado a Dallagnol:

Moro – 12:32:39. – Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem.
Dallagnol – 12:42:34. – Ok, manterei sim, obrigado!


‘MORO NÃO É MODELO DE JUIZ IMPARCIAL’
AS CONVERSAS ENTRE MORO E DALLAGNOL enviadas pela fonte anônima compreendem um período de dois anos entre 2015 e 2017. Já no grupo de procuradores citado neste texto, o FT MPF Curitiba, o conteúdo dos chats totaliza o equivalente a um livro de 1.700 páginas.

Juristas ouvidos pelo Intercept disseram que a proximidade entre procuradores e juízes é normal no Brasil – ainda que seja imoral e viole o código de ética dos magistrados.


“Pela Constituição, o processo penal brasileiro é acusatório. Na prática, é inquisitivo”, cravou Lenio Streck, advogado, jurista, pós-doutor em Direito e professor de Direito Constitucional na Unisinos, no Rio Grande do Sul. “O juiz acaba sendo protagonista do processo, age de ofício [ou seja, sem ser provocado por uma das partes], busca provas. Isso acaba fazendo com que o MP, também com postura inquisitiva, acabe encontrando um aliado estratégico no juiz. É um problema anterior, de que a Lava Jato é um sintoma.”


Aprovado em 2008 pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, o Código de Ética da Magistratura Nacional determina, em seu primeiro artigo, que juízes atuem “norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade” e “do segredo profissional”, entre outros.


O capítulo 3 do código, que trata exclusivamente da imparcialidade, diz, no artigo oitavo: “O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”. O artigo seguinte determina que o juiz, “no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.”


Em várias decisões, o Supremo Tribunal Federal ratificou decisões que proíbem juízes de promover investigações. “A Constituição de 1988 fez uma opção inequívoca pelo sistema penal acusatório. Disso decorre uma separação rígida entre, de um lado, as tarefas de investigar e acusar e, de outro, a função propriamente jurisdicional. Além de preservar a imparcialidade do Judiciário, essa separação promove a paridade de armas entre acusação e defesa, em harmonia com os princípios da isonomia e do devido processo legal”, diz a ementa da ação direta de inconstucionalidade 5104, relatada pelo ministro Roberto Barroso.


As conversas sugerem que o juiz deu acesso privilegiado à acusação e ajudou o Ministério Público a construir casos contra os investigados, o que pode ser usado pela defesa dos acusados na Lava Jato. Esse foi, por exemplo, o argumento da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao recorrer da condenação e ao denunciar Sergio Moro na Comissão de Direitos Humanos da ONU. “O juiz Moro atuou com pré-julgamento, pois ele foi o juiz de investigação de Lula”, disse o advogado que representou o ex-presidente na ONU, Geoffrey Robertson, na época em que o petista foi condenado em segunda instância. A defesa de Lula vem, sem sucesso, questionando a imparcialidade de Moro no Supremo Tribunal Federal.


“O juiz brasileiro, em regra, é um juiz formal, mais distante, mas tem mais proximidade com o MPF, porque são ambos funcionários públicos. Existe um desequilíbrio nesse sentido”, afirmou o advogado Antônio Sérgio Pitombo, que já defendeu na Justiça o atual chefe de Moro, Jair Bolsonaro.


“Conheço o juiz Moro há muitos anos. Não é um modelo de juiz imparcial, tem um viés de favorecer a acusação. [Mas] O ponto sobre Lava Jato nunca foi o juiz Moro, mas o Tribunal Regional da Quarta Região [responsável por julgar na segunda instância os processos da operação] nunca corrigir o juiz Moro. Juízes com esse ímpeto [punitivista] sempre tivemos no Brasil. Mas nunca tivemos um tribunal tão leniente [com a primeira instância] como o TRF4. Ali parecia haver um pacto ideológico entre tribunal e juiz. O tribunal achava bonito aquilo”, criticou Pitombo.


O relator dos processos da Lava Jato no TRF4, o juiz de segunda instância João Pedro Gebran Neto, é amigo pessoal de Moro e, via de regra, se alinha ao atual ministro em suas sentenças.


Muitas das decisões tomadas por Moro ainda podem ser questionadas pelas defesas de condenados na Lava Jato e revistas em tribunais superiores.



Ao contrário do que tem como regra, o Intercept não solicitou comentários de procuradores e outros envolvidos nas reportagens, para evitar que eles atuassem para impedir sua publicação e porque os documentos falam por si. Entramos em contato com as partes mencionadas imediatamente após publicarmos as matérias, que atualizaremos com os comentários assim que forem recebidos.

Força-tarefa do MPF no Paraná

É formada por procuradores da República que estão nos trabalhos de investigação na primeira instância da Justiça Federal do Paraná. Foi designada em abril de 2014.

Membros efetivos atuais:

1. Deltan Martinazzo Dallagnol (Coordenador)
2. Alexandre Jabur
3. Athayde Ribeiro Costa
4.Felipe D'Elia Camargo
5.Isabel Cristina Groba Vieira
6.Jerusa Burmann Viecili
7.Juliana de Azevedo Santa Rosa Câmara
8.Júlio Carlos Motta Noronha
9.Laura Tessler
10. Orlando Martello Junior
11. Paulo Roberto Galvão
12. Roberson Henrique Pozzobon
13. Antônio Carlos Welter
14. Januário Paludo

Procuradores que já atuaram na Força Tarefa:

- Andrey Borges de Mendonça
- Carlos Fernando dos Santos Lima
- Diogo Castor de Mattos

Grupo de Trabalho na Procuradoria-Geral da República:
Formado por membros do Ministério Público Federal para auxiliar a Procuradoria-Geral da República na análise dos processo em trâmite no Supremo Tribunal Federal. O grupo foi inicialmente instituído em 2015 e tem sido atualizado no decorrer do tempo. A equipe é responsável por assessorar a Procuradoria-Geral da República na investigação de deputados federais, senadores e outras autoridades. O grupo de trabalho atua em paralelo à força-tarefa.

MEMBROS EFETIVOS ATUAIS:
1.Raquel Branquinho Pimenta Mamede Nascimento (Secretária da Função Penal Originária no STF)
2. José Alfredo de Paula Silva (Coordenador)
3.Alessandro José Fernandes de Oliveira
4. Leonardo Sampaio de Almeida
5. Hebert Reis Mesquita
6. Marcelo Ribeiro Oliveira
7. Galtiênio da Cruz Paulino
8. Luana Vargas Macedo
9. Maria Clara Barros Noleto
10. Pedro Jorge do Nascimento Costa
11. Victor Riccely Lins Santos

FORÇA-TAREFA PARA ATUAR NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Foi instituída pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF, atendendo proposta da Câmara de Combate à Corrupção (5ªCCR) do MPF.

Subprocuradores-gerais da República Área Criminal:
1. Aurea Maria Etelvina Nogueira Lustosa Pierre (procuradora natural)
2.Francisco de Assis Vieira Sanseverino
3.José Adonis Callou de Araujo Sá
4. Marcelo Antônio Muscogliati
5. Maria Hilda Marsiaj Pinto
6. Nivio de Freitas Silva Filho

Área Cível
Antônio Carlos Fonseca da Silva
Maria Caetana Cintra Santos

FORÇA-TAREFA DO MPF NO RIO DE JANEIRO:
É formada por procuradores da República que estão nos trabalhos de investigação na primeira instância da Justiça Federal doRio de Janeiro.

Membros efetivos atuais:
1. Eduardo Ribeiro Gomes El Hage (Coordenador)
2.Fabiana Schneider
3.Felipe Almeida Bogado Leite
4.José Augusto Simões Vasgos
5.Leonardo Cardoso de Freitas
6.Marisa Varotto Ferrari
7.Rafael Antonio Barretto dos Santos
8.Rodrigo Timóteo da Costa
9.Sérgio Luiz Pinel Dias
10. Stanley Valeriano da Silva

FORÇA-TAREFA DA PRR4 COM ATUAÇÃO JUNTO AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO:

Instituída em março de 2015, a força-tarefa é formada por seis procuradores regionais da República. Os integrantes atuam tanto nas apelações criminais interpostas a partir das decisões da primeira instância da Justiça FEderal quanto em mandados de segurança, exceções de impedimento e de supeição.

Membros efetivos atuais:
1. Luiz Felipe Hoffmann Sanzi
2. Maria Emília Corrêa da Costa Dick (Coordenadora)
3.Carlos Augusto da Silva Cazarré
4.Ana Luiza Chiodelli von Mengden
5.Maurício Gotardo Gerum
6.Addriano Augusto Silvestrin Guedes

FORÇA-TAREFA DO MPF EM SÃO PAULO:

É formada por procuradores regionais da República e procuradores da República que atuam na primeira instância da Justiça FEderal de São Paulo.

Membros efetivos atuais:
1. Adriana Scordamaglia
2. Ana Cristina BAndeira Lins
3. Anamara Osório Silva
4. André Lopes Lasmar
5. Daniel de Resende Salgado
6. Guilherme Rocha Göpfert
7. Janice Agostinho Barreto Ascari
8. Lucio Mauro Carloni Fleury Curado
9. Luís Eduardo Marrocos de Araújo
10.Thaméa Danelon
11.Thiago Lacerda Nobre (Coordenador)

Núcleo Criminal de Combate à Corrupção do MPF na 2ª Região (RJ/ES)

Os procuradores regionais da República atuam ao Tribunal Regional Federal (TRF2) incluindo atuação em ações originárias.

Membros efetivos atuais:
1. Andrea Bayão Pereira Freire
2. Carlos Alberto Gomes de Aguiar (Coordenador)
3. Mônica Campos de Ré
4. Neide Cardoso de Oliveira
5. Rogério José Bento Soares do Nascimento
6. Silvana Batini Cesar Góes